São Paulo, quarta, 4 de novembro de 1998

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Liz Phair mostra vida dupla em disco

PATRICIA DECIA
da Reportagem Local

Cinco anos depois de parir o já clássico "Exile in Guyville", um dos discos mais contundentes de toda a produção feminina no pop, e de se firmar como referência com "Whip-Smart", de 95, a cantora e compositora norte-americana Liz Phair está em crise.
"Whitechocolatespaceegg", lançado neste ano, por enquanto apenas fora do Brasil, mostra que a maternidade -ela teve um filho em dezembro de 96- pode não ser a experiência de completitude trombeteada por Madonna e (mais marketeiramente ainda) por Xuxa.
O disco é permeado pelo desconforto, inadequação e dúvida. A atmosfera começa já nas fotos que ilustram o CD, em que ela aparece encolhida no oco de rochas e usando um salto alto, finíssimo, entre pedras e arbustos.
E se escancara nas letras, como a de "Headache" (Dor de Cabeça), em que ela canta: "Em um lado de mim está o inimigo, a outra metade está morta"; ou no lamento de "Perfect World" (Mundo Perfeito): "Lúcifer não precisaria cair, se tivesse aprendido a manter a boca fechada".
Phair parece ter abandonado a rebelião de "Guyville", concebido como uma resposta a "Exile on Main Street", dos Stones, e um ataque à cena totalmente masculina do rock em Chicago no começo da década.
Com ele (em um paralelo entre a música e a gramática), Phair deixou claro que se recusa a ser posicionada como objeto e leva a voz e o pensamento femininos à condição de sujeito -sexual, inclusive.
Mas essa protagonista que já havia dirigido sua metralhadora verbal para o mundo a sua volta, e expelido balas de honestidade, parece agora ter perdido o alvo.
Em "Whitechocolate" ela não abandona os temas autobiográficos, como a sugestão de crise no casamento em "Go on Ahead". Mas nessa mesma canção revela talvez a coisa mais importante sobre si mesma hoje: está enredada numa vida dupla.
E o bebê parece ter papel fundamental nisso. "Quando ele nasceu, comecei a me divertir sem precisar de dinheiro ou drogas", disse a uma revista norte-americana.
A divisão, no entanto, resulta em boas canções como "Polyester Bride" -em que ela reproduz uma conversa irreal com um barman- , a climática música-título "White Chocolate Space Egg" (desta vez em palavras separadas) e a desiludida "Love Is Nothing" em que aparece uma insuspeitada influência new wave, com direito a palminhas marcando o refrão.
Em alguns momentos, porém, sua voz adquire a expressão da garota comum, quase desafinada, quase inapropriada para a antiga vida de rock star, como no baladão "Only Son" -que tem, em contrapartida, a bela imagem do nascimento de bebês como um campo cheio de papoulas.
Emblematicamente, o disco termina com "Girl's Room", uma espécie de ode à vida adolescente, ou seja, ao passado.
Se não produziu uma obra-prima, o mínimo que se pode dizer é que Phair continua contribuindo para que ninguém esqueça que o mundo não é cor-de-rosa -nem dentro de um quarto de bebê.
²

Disco: Whitechocolatespaceegg Artista: Liz Phair Lançamento: Matador (importado) Onde encomendar: Bizarre (tel: 011/220-7933), London Calling (tel: 011/223-5300)



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