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A 1ª SESSÃO DE CINEMA
Eduardo Coutinho reencontra personagens de "O Fim e o Princípio" um ano depois das filmagens
Diretor vive encontro marcado no sertão
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A ARAÇÁS (PB)
Quando foi embora de Araçás,
no sertão da Paraíba, em setembro do ano passado, o cineasta
Eduardo Coutinho se despediu
dos homens e mulheres que entrevistou ali com a promessa do
retorno: "Daqui a um ano eu volto, para mostrar o filme".
Era a primeira vez que o autor
de "Cabra Marcado para Morrer"
(1984), considerado o maior documentarista brasileiro, firmava
essa espécie de compromisso.
O agricultor Chico Moisés, 58,
respondeu com a voz da dúvida:
"Num garanto que eu tô vivo". Da
boca para dentro, Coutinho, 72,
tampouco tinha a certeza de que
honraria o encontro marcado.
"Uma pessoa de 18 anos pode
voltar para todos os lugares. Na
minha idade, dizer isso tem outro
peso", pondera.
Na sexta-feira retrasada, Coutinho tomou um avião no Rio de
Janeiro, onde vive, fez escala em
Salvador (BA), seguiu para Recife
(PE), embarcou em outro vôo para Juazeiro do Norte (CE). Lá, subiu num carro e percorreu 300
quilômetros.
Quando Coutinho finalmente
pisou outra vez em Araçás, 14 meses depois de sua partida, era madrugada de sábado.
Como prometido, o diretor levava com ele o documentário que
resultou das entrevistas no alto
sertão paraibano -"O Fim e o
Princípio", em cartaz no Rio de
Janeiro, em São Paulo e em Belo
Horizonte- e a idéia de exibi-lo
naquela noite aos 325 moradores
de Araçás.
Divertimento
Chico Moisés faltou à sessão.
"Não vou a divertimento!", disse
ao diretor, quando este bateu à
sua porta para convidá-lo.
Coutinho não retrucou. Achou
que a atitude desafiadora era coerente com o personagem que em
seu filme interroga sem cessar, inclusive a si mesmo: "Não sei se sei.
Penso que sei. Será que sei?".
Assim como Chico Moisés, os
sertanejos Leocádio do Nascimento e Zé de Souza, embora não
estivessem na platéia, ganharam
forma na tela, grudada à lateral de
um caminhão. Os dois, porém, já
não andam por Araçás. Zé de
Souza morreu em maio passado.
Leocádio, em julho.
Com um silêncio espesso, a numerosa platéia acompanha o último diálogo de Leocádio com
Coutinho. "Crer em Deus é ilusão? O sr. acha que vai alguém pro
céu?", pergunta o sertanejo. O cineasta se ancora na dúvida: "Gostaria de saber".
A caminho de Araçás, Coutinho
previra lágrimas e quis evitá-las.
"Se alguém chorar, não use zoom
[lente de aproximação]. Se puder,
ande para trás", disse ao câmera e
fotógrafo Ricardo Stein, que o
acompanhava, registrando imagens para o futuro DVD do filme.
Stein não é um neófito. Foi em
1969 que soltaram pela primeira
vez uma câmera em suas mãos e
em seus ouvidos o comando:
"Agora você me segue!". O autor
da ordem era Glauber Rocha
(1939-1981), que filmava "O Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro".
No dia seguinte à exibição de "O
Fim e o Princípio" em Araçás, as
lágrimas brotaram diante de Coutinho, numerosas, irreprimíveis.
Sobrinha de Zé de Souza, Francisca Batista de Sousa, a Chiquinha, 28, contrastava a memória
do tio vigoroso de sua infância
com as imagens vistas na noite
anterior, de um homem idoso e
surdo, que descreve a Coutinho a
rotina de sua solidão:
"Passo a tarde todinha sentado,
olhando quem passa. Mas a minha vista é pouca, não dá. Passa,
mas eu não sei quem é. Muitos
passam pra lá e pra cá".
"O Fim e o Princípio" desvelou
a Araçás um Zé de Souza que havia ficado oculto em seu próprio
silêncio. A revelação não foi sem
dor para Chiquinha: "Pensar que
passei tantas vezes ali e nem falei
com ele. Agora está sem jeito".
Chiquinha chora. O choro cresce, contagia a família em volta. A
câmera de Stein está desligada. E
assim permanece.
A jornalista Silvana Arantes e o repórter
fotográfico Tuca Vieira viajaram a convite da Petrobras, patrocinadora do filme
"O Fim e o Princípio"
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