São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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68 pop!

Mostras de Maurício Nogueira Lima, Marcello Nitsche e Flávio Império revisam a herança do "Outubro de 68" com um tom de arte pop, no Centro Universitário Maria Antonia

Patricia Stavis/Folha Imagem
Pintura sem título (1966) de Maurício Nogueira Lima, da coleção Roberto Carlos

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma sirene faz um som estridente, insuportável. Logo um segurança retira a tomada da rede elétrica e a calma volta ao Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo.
O incômodo aparato faz parte da instalação de Marcello Nitsche "O Ó", de 1967, só agora remontada, depois de mais de 40 anos, para balizar uma das quatro mostras que são abertas hoje no centro cultural. Todas tratam do mesmo tema: a efervescência política e artística de 1968 e seus reflexos nos anos posteriores.
A instituição funciona no antigo prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde, em outubro daquele ano mítico, aconteceu um violento confronto entre estudantes da universidade e do Mackenzie, que resultou na morte de um secundarista. O episódio ficou conhecido como a "batalha da Maria Antonia".
Nas antigas salas em que alunos uspianos convertiam o prédio em um dos pontos nevrálgicos da resistência ao regime militar, agora o incômodo barulho da sirene está mais apaziguado. "Estamos regulando para que seja mais ameno. Mas é impressionante o quanto é violento", diz o crítico Rafael Vogt Maia Rosa, responsável por "O Espaço Onomatopaico", exposição com dez peças e cinco vídeos de Nitsche, 66.
Além do artista paulistano, o centro exibe mostras de Maurício Nogueira Lima e Flávio Império, o que dá um tom de arte pop e nova figuração ao conjunto de pinturas, instalações e objetos expostos. Influências de meios de comunicação de massa, como as histórias em quadrinhos, são incorporadas pelas obras desses artistas -daí tantas interjeições e onomatopéias, como "buum!" e "argh!". E ídolos populares -Roberto Carlos, os Beatles e Pelé, por exemplo-, são retratados em pinturas.

Sem arte engajada
"Como aqui foi um ponto histórico na política dos anos 60, pensamos em como tratar de 68 e suas influências, mas sem fazer algo óbvio, como uma exposição de arte engajada", conta João Bandeira, um dos diretores do centro e curador de "Faturas da Forma", com 25 pinturas de Nogueira Lima (1930-1999). "Todos os artistas presentes aqui estavam há anos sem retrospectivas ou mostras que revelassem novos olhares sobre suas obras."
Nogueira Lima ficou mais conhecido por sua fase construtiva, quando cerrava fileiras com os concretistas paulistas do grupo Ruptura, formado por artistas como Geraldo de Barros (1923-1998) e Luiz Sacilotto (1924-2003).
"A maioria das pessoas lembra da fase geométrica ou das obras abstratas do artista, posteriores ao que está sendo exibido, mas pouco se reuniu e estudou dos trabalhos de 1965 a 1976, expostos aqui", afirma Bandeira. "Depois de garimparmos com familiares e colecionadores telas desses anos, nossa visão é que, mesmo mais figurativa, essa fase tem uma forte herança construtiva", avalia Ana Avelar, a outra curadora de "Faturas da Forma".
De acordo com os curadores, essa continuação do "projeto construtivo" na obra de Nogueira Lima, mesmo que sem o racionalismo das formas geométricas, apóia-se em outros procedimentos. "Na pintura "Argh!", por exemplo, as figuras e o fundo viram quase uma coisa só, a utilização de cores é muito planejada. E, em outras telas, Nogueira Lima faz uma serialização de temas, como o futebol", diz Avelar.

Cenografia da batalha
Um dos mais importantes nomes da cenografia brasileira, Flávio Império (1935-1985) tem uma obra plástica menos estudada do que sua atividade teatral. Participante de exposições históricas como "Opinião 65", no MAM carioca, suas assemblages e colagens têm notável teor político.
No Maria Antonia, 15 trabalhos dos anos 60 de Império utilizam a iconografia daqueles anos. Imagens fotográficas, palavras como "guerra" e "CIA", por exemplo, junto de documentos da época, atestam o viés crítico do artista.
Fecha o conjunto de mostras "1968 Vou Ver", em que a curadora Carolina Soares espalha pelo prédio 50 fotografias sobre a "batalha da Maria Antonia". A maioria delas é inédita. Foram feitas por Hiroto Yoshioka, estudante de arquitetura na época do "Outubro de 68".


MARCELLO NITSCHE/ MAURÍCIO NOGUEIRA LIMA/ FLÁVIO IMPÉRIO/1968 VOU VER
Quando:
abertura hoje, às 20h; ter. a sex., das 12h às 21h, e sáb., dom. e feriados, das 10h às 18h; até 1º/2/2009
Onde: Centro Universitário Maria Antonia (r. Maria Antonia, 294, tel. 0/ xx/11/3255-7182); livre
Quanto: entrada franca



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