São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2010

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CRÍTICA MEMÓRIAS

"Conversas que Tive Comigo" reforça o mito de Mandela

FÁBIO ZANINI
EDITOR DE MUNDO

A banalidade não é algo facilmente associável a Nelson Mandela, considerado santo vivo como não se via desde Gandhi (1869-1948).
"Conversas que Tive Comigo", reunindo cartas escritas sobretudo durante os 27 anos de prisão, traz revelações mundanas que, paradoxalmente, só ajudam a aumentar o mito.
Caso, por exemplo, de carta à Universidade da África do Sul, em 1987, em que pede para ser liberado da cadeira de latim, no curso que fazia por correspondência.
"Embora eu tenha passado nos exames para essa disciplina em 1938, esqueci praticamente tudo. Se for obrigado a fazer o curso, terei que recomeçar do zero. Tendo 69 anos, certamente seria um empreendimento muito difícil", justifica, como um estudante procurando desculpa esfarrapada para matar aula.
Os anos de cadeia, geralmente romantizados, surgem no livro na sua dimensão real: uma sucessão de dias tediosos, que levam Mandela a desenvolver uma espécie de síndrome de Estocolmo com a cela.
"A cela da prisão nos dá a oportunidade de superarmos o mal e desenvolvermos o que há de bom em nós. [...] É o lugar ideal para aprendermos a nos conhecer", diz.
Numa carta de 1979 para a filha Zindzi, sua maior preocupação não tem nada de épica. "Penso no que aconteceu com nossa academia de boxe em Orlando Leste [bairro de Johannesburgo]", diz.
É também na cela que ele suporta calado as infidelidades da mulher, Winnie, de quem se divorciaria em 1996. Diz que é suficiente que ela visite-o e escreva para ele.
Preso, aprende a ficar sem sexo, com a ajuda da experiência juvenil. Diz que foi educado em internatos "onde se ficava sem mulheres durante seis meses, e a autodisciplina era necessária".
Para os filhos, escreve em profusão, mesmo sabendo que provavelmente suas cartas seriam barradas pelas autoridades -o que só torna mais tocante ler que seu coração "sangra" de saudade, num texto às filhas Zindzi, 10, e Zeni, 9, em 1969.
"Conversas" é primeiro o homem e depois o pai da pátria. Um necessário complemento à biografia "Longo Caminho para a Liberdade", de 1996, publicada quando ele era presidente e, por isso, plastificada e cuidadosa.
Agora, aos 92 anos, livre das amarras do cargo, solta-se e novamente surpreende, desta vez na trivialidade.

CONVERSAS QUE TIVE COMIGO

AUTOR Nelson Mandela
EDITORA Rocco
TRADUÇÃO Ângela Lobo de Andrade, Nivaldo Montingelli Jr. e Ana Deiró
QUANTO R$ 39,50 (416 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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