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CINEMA - ESTRÉIAS
Um garoto, um velhinho e o nazismo
LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada
Filme americano sobre garoto
que costuma visitar um simpático
velhinho nos finais de tarde, para
ouvir atentamente ensinamentos
sobre a vida, pode não mover muita gente ao cinema.
Mas a expressiva performance
nas bilheterias dos EUA alcançada
por uma história dessas começa a
fazer sentido quando a sinopse do
filme é incrementada com as informações de que (1) o menino tem
uma mente perturbada, (2) o velhinho é um ex-nazista chefe de um
campo de concentração na Segunda Guerra e que (3) o roteiro é baseado em uma história do sinistro
escritor Stephen King.
Chega hoje aos cinemas brasileiros "O Aprendiz" ("Apt Pupil"), o
tal filme, exemplar integrante de
uma certa safra que baixou recentemente pelas salas da América e
que estampa no celulóide os complicados tempos de Hitler ou seus
efeitos até os dias atuais.
Com uma passadela de olhos em
uma programação de cinema de
Nova York, por exemplo, é possível acusar a presença do nazismo
sob várias formas.
Seja como superespetáculo (a recriação de Spielberg para o desembarque na Normandia em "O Resgate do Soldado Ryan") ou como
tragicomédia ("A Vida É Bela", de
Roberto Benigni, que arranca riso
e choro ao tratar da perseguição
aos judeus na guerra e é a pedra
italiana no caminho do Oscar estrangeiro de "Central do Brasil").
O nazismo pode ser visto ainda
como sátira, como em "To Be or
Not to Be", de Ernst Lubitsch, de
1942, que voltou ao cartaz em NY.
Porém o riso fica mais nervoso
quando o nazismo bate à porta dos
anos 90, como em duas badaladas
produções hollywoodianas do momento, "American History X" e esse "O Aprendiz", onde dois rapazes da típica classe média americana têm a bandeira do Terceiro
Reich orgulhosamente pendurada
na parede do quarto.
O filme que estréia hoje no país
traz o cotidiano de Todd Bowden,
garoto de 16 anos, aluno exemplar,
mas com hábitos diferentes dos de
seus colegas teens.
Em vez de ouvir Beastie Boys ou
ver "South Park", Todd é fascinado
por aulas de história em geral, e o
Holocausto em particular.
Em uma viagem de ônibus, o menino desconfia que a feição de um
passageiro idoso lhe é familiar.
Uma fuçada aqui e ali leva Todd a
descobrir que é vizinho de um ex-oficial da SS que comandou matança de judeus, trocou de nome e
tenta viver o resto da vida longe da
Alemanha e do passado.
Então o filme começa. Fascinado
com as atrocidades que o sujeito
cometeu durante a Segunda Guerra, Todd ameaça entregar o velho
aos caça-nazistas. A não ser que o
ex-oficial conte com detalhes como funcionava a câmara de gás
nos judeus, como eles morriam e
outros pormenores mórbidos.
O garoto passa seus finais de tarde indo à casa do ex-oficial alemão
para ouvir suas histórias, como se
estivesse frequentando um curso
intensivo neonazista. Quando a
"aula teórica" vira "aula prática", o
filme vai ao horror psicológico.
O filme é dirigido pelo britânico
Bryan Singer, que em 1995 realizou
o eletrizante "O Suspeito", movimentado thriller quebra-cabeças
sobre a luta de um detetive em encontrar um perigoso assassino entre cinco indeléveis suspeitos.
Com "O Aprendiz", o ritmo é outro. Singer mostra excelente controle com uma trama lenta. Apesar
de um final vascilante, o diretor
britânico não perde a mão, mesmo
se propondo a levar o filme sempre
sob a ótica da inversão de papéis.
Afinal, para quem vê "O Aprendiz", o nazista é uma figura humana, cativante, enquanto o garoto, o
verdadeiro demônio.
É muito boa a maneira como Singer constrói a decomposição psicológica de um velhinho inofensivo que se diverte assistindo ao desenho do Mr. Magoo em uma cena
e em outra está tentando enfiar um
gato no forno para matar como
nos velhos tempos, com gás.
E o toque final à lá Stephen King
vem à saída do cinema, com a indigesta sensação de que o mal está
mesmo por aí, andando de bicicleta, namorando, jogando bola e à
noite tendo sonhos com coisas como câmara de gás, tortura...
²
Filme: O Aprendiz
Produção: EUA, 1998
Direção: Bryan Singer
Com: Ian McKellen, Brad Renfro
Quando: a partir de hoje nos cines Eldorado
5, Plaza Sul 1 e circuito
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