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"O BANDIDO", 30 ANOS
Ousadia anárquica
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
Em novembro de 1968, um filme
produzido na Boca do Lixo paulistana era lançado no Cine Marabá,
uma das salas mais populares no
eixo poeira-pulgueiro do centro da
cidade.
O primeiro longa-metragem do
jovem diretor e crítico instaurou
uma revolução no cinema brasileiro. E, de quebra, faturou alto na bilheteria. Rogério Sganzerla fez um
manifesto de invenção audiovisual
sob formato de obra-prima.
"O Bandido da Luz Vermelha" é
um filme de rupturas programáticas, de desabusada ousadia. Cada
fotograma parece impregnado por
um desejo deflagrador de criação
(e desconstrução). Brutal-tropicalista, a narração é fragmentada,
descontínua, repleta de saltos e
quebras de eixo.
A genial montagem articula
enunciados disparatados, disjunções digressivas e desesperada ironia por meio de livres-associações
em parataxe.
A mixagem sonora é inovadora.
À moda de uma transmissão radiofônica, a locação de vozes em
dueto e falsete escancara humor e
derrisão.
Tributário de Godard, Welles,
Fuller, o autor traz assinatura visceral e original: "um filme de cinema". Referência incontornável,
rendeu ensaios seminais, como o
de Ismail Xavier ("Alegorias do
Subdesenvolvimento").
Policial-chanchada, faroeste do
Terceiro Mundo, filme inclassificável e "desclassificado" (como diria o próprio diretor), "O Bandido
da Luz Vermelha" segue a trajetória do marginal que aterrorizou
São Paulo durante os anos 60 (João
Acácio mofou décadas na prisão
até ser solto como débil e morto
meses atrás).
De identidade multifacetada e esfacelada, Jorginho é um Pierrot Le
Fou boçal, atordoado por dúvidas
ontológicas (seu aforisma é a avacalhação), atraiçoado pela fatal Janete Jane, a Jean Seberg da rua do
Triumpho.
Tripudiando sobre as pretensões
pedagógicas da "síntese nacional",
o filme faz um diagnóstico anárquico das mazelas surreais do país.
Sua antiteleologia messiânica é
apocalíptica. No novo cinema, não
havia redenção.
O epílogo antológico faz a terra
em transe dançar ao som de Hendrix e candomblé, enquanto a sci-fi trash baixa na favela. Dotado de
energia arrebatadora, "O Bandido" ainda é um petardo virulento
da arte subversiva no alvo retomado do conformismo.
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