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CRÍTICA
Cineasta passa a limpo seu amor pelo Brasil
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
"Tudo É Brasil" ganhou no último Festival de Brasília o ambíguo
prêmio de "Melhor Colagem Antropofágica". Talvez fosse uma
maneira de o júri dizer que este filme de Rogério Sganzerla merecia
ser premiado, mas não sabia em
que categoria enquadrá-lo.
Para não correr o risco de ser
convencional e oferecer um simples Prêmio Especial do Júri, optou-se por essa formulação obscura, que não ajuda em nada a compreender o filme, pelo contrário,
atrapalha um bocado.
Trata-se de um filme de montagem, em que Sganzerla parte de
uma antiga obsessão: a passagem
de Orson Welles pelo Brasil, nos
anos 40, e a realização de dois episódios que permaneceram perdidos durante décadas.
Só nos anos 90 o material desprezado pela RKO foi encontrado e
deu ocasião a um documentário
(belíssimo, no mais) sobre a aventura latino-americana de Welles.
Sganzerla ocupa-se do tema há
décadas, tendo inclusive realizado
um documentário de ficção sobre
o tema ("Nem Tudo É Verdade",
de 1986).
"Tudo É Brasil" parece apontar
para uma mudança de postura do
diretor em relação ao episódio. Até
aqui, a estadia de Welles entre nós
parecia sintoma de um fracasso
que atingia simultaneamente um
dos maiores gênios do cinema (naquele momento delineia-se o bloqueio de Hollywood a seu trabalho, já que, ao mesmo tempo, "Soberba" era desfigurado na montagem).
Por aqui, a hipótese de Welles estar captando um Brasil popular, e
não-oficial, também não estaria
sendo vista com bons olhos pelo
governo Vargas.
O reencontro das imagens, sobretudo o dos episódios dos jangadeiros, pode ter determinado parcialmente a mudança de enfoque.
A principal mudança talvez venha,
porém, de outra parte.
Sua paixão pela cultura popular
brasileira -partilhada por Júlio
Bressane- e o desejo de interpretá-la também vêm de longe. A revisão da chanchada, assim como a
defesa de José Mojica Marins, deve
muito a ambos, por exemplo.
Mas o que antes podia ser visto
como um olhar pessimista a uma
cultura da impossibilidade aqui se
transforma um pouco. Trata-se de
encontrar valores, de Grande Otelo a João Gilberto, equalizando, pela montagem, o culto e o popular,
de buscar a permanência dos encantos dos anos 40 nos anos 90, de
perceber na continuidade de um
modo de vida -apesar de todas as
atrapalhações que têm vitimado o
Rio desde 1960- a exuberância
criativa de um povo que tem na autonegação uma espécie de esporte
favorito.
Esse Brasil não é, obviamente,
oficial, nem passa pelas mazelas da
política. Sganzerla vai atrás de
imagens que, mesmo quando já
vistas, adquirem um outro sentido. Relaciona-as com sons que,
mesmo quando já escutados, agregam novos sentidos no contato da
imagem.
É como se a tristeza pelo tesouro
perdido de Welles se transformasse em euforia pelo seu reencontro.
Não se trata de esperar, é claro, por
um filme tolamente otimista, e sim
por um filme apaixonado pelos
seus dois objetos: Brasil e Welles,
agora "limpo" (parcialmente, em
todo caso) da catástrofe pessoal
que foi a passagem do cineasta pelo Brasil, na qual Sganzerla via um
signo da catástrofe nacional.
Não seria demais lembrar que a
obra assinala o reencontro de Rogério Sganzerla com Sylvio Renoldi, o mágico montador de "O Bandido da Luz Vermelha". Nas suas
mãos, parece que as idéias do diretor deixam de ser abstrações e adquirem concretude, como aqui.
²
Filme: Tudo É Brasil
Produção: Brasil, 1998
Direção: Rogério Sganzerla
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 4
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