São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVRO/LANÇAMENTO

FICÇÃO

"O Assassino Cego", obra que deu o prestigiado Booker Prize para a autora, é publicado no Brasil pela Rocco

"É impossível achar a verdade na ficção", diz Margaret Atwood

XAVIER MORET
DO "EL PAÍS"

Depois de 15 livros de ficção, cinco de não-ficção, cinco trabalhos para crianças e 13 coletâneas de poesia, Margaret Atwood chega ao ápice de sua carreira.
Com seu livro mais recente, "O Assassino Cego", que é lançado agora no Brasil, a escritora canadense de 62 anos recebeu derramados elogios e alcançou o Booker Prize, em 2000, a principal distinção literária do Reino Unido e um dos prêmios mais cobiçados do mundo.
De Toronto, no Canadá, onde vive, a autora respondeu a perguntas sobre o complexo romance protagonizado pela octogenária Iris Chase.

Pergunta - "O Assassino Cego" é feito do cruzamento de três elementos: uma história narrada a partir da memória de uma das personagens, notícias de jornal e um romance dentro do romance. Como a sra. chegou a essa estrutura?
Margaret Atwood -
O modelo foi o das caixas chinesas. Você abre uma caixa e encontra outra. Assim sucessivamente até chegar ao coração do romance, que é a história das irmãs Iris e Laura Chase. Todas as histórias se complementam, como em uma grande colagem formada pela sobreposição de vários níveis.

Pergunta - Durante a reconstrução da história da família das personagens, a sra. deixa transparecer uma visão um tanto negativa sobre o século 20. O que a levou a esse tom de utopia negativa?
Atwood -
Mais do que uma utopia negativa, eu falaria em uma distopia, quase em uma doença. Essa foi uma fórmula usada por muitos escritores. Passa pela "Utopia", de Thomas More, por "As Viagens de Gulliver", de Jonathan Swift, por "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley. Em "O Assassino Cego" entro no campo da distopia para criticar a sociedade da Depressão, das grandes crises econômicas, do fascismo, do nazismo etc.

Pergunta - Seu texto, não só neste livro, é marcado pelo detalhismo. De onde vem essa paixão?
Atwood -
Talvez do convívio com meu pai, que foi entomólogo. Gosto de descrever detalhadamente as árvores, as flores, as pessoas. Em inglês, dizemos: "Deus está nos detalhes". É verdade. Acredito que para conseguir uma boa ambientação em um romance é imprescindível dar atenção aos pequenos elementos.

Pergunta - Existe algo igualmente autobiográfico no seu interesse por temas envolvendo irmãs, como em "Olho de Gato" e em "O Assassino Cego"?
Atwood -
Creio que não. As relação entre irmãos são sempre complexas, desde Caim e Abel. A infância é quase sempre um sonho, mas também pode ser um pesadelo.

Pergunta - Em "O Assassino Cego", a sra. passa a idéia de que a verdade é fugitiva, difícil de ser esclarecida. Por quê?
Atwood -
É impossível encontrar a verdade na ficção. Sempre há um mundo secreto, sempre há algo atrás de portas fechadas. Isso é o que me interessava em meu romance, ir descobrindo aos poucos isso que se esconde, aproximar-me de uma verdade oculta por trás das aparências.

Pergunta - Como a sra. fez para criar para um mesmo trabalho tantos tipos de narrativa distintos?
Atwood -
Eu já sou velha e, ao longo de minha vida, pude ler muitas coisas esquisitas. Com o tempo, aprende-se a depurar a linguagem. Cada nível de "O Assassino Cego" tem uma linguagem diferente. Até os jornais que cito no livro têm notícias redigidas de modo distinto. A língua tem um amplo espectro de possibilidades.

Pergunta - Em muitos momentos o livro lembra mais a música do que a literatura. Qual a relação da sra. com a música?
Atwood -
Incrível. Essa era uma das minhas idéias quando fiz o romance. A música, como a escrita, é um bom medidor do tempo. Gosto do que ela permite com relação a idas e voltas a um mesmo tema. Na estrutura de "O Assassino Cego" tive em conta isso. Escrevi 93 pequenos capítulos nos quais intercalei, ao princípio do romance, uma narração da personagem, uma notícia de jornal e o romance dentro do romance. No final, inverti a ordem.


Tradução Cassiano Elek Machado


Texto Anterior: Walter Salles: H2O, Argentina e um adeus a Cássia Eller
Próximo Texto: Best-seller fora, escritora não "pegou" no Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.