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LIVRO/LANÇAMENTO
FICÇÃO
"O Assassino Cego", obra que deu o prestigiado Booker Prize para a autora, é publicado no Brasil pela Rocco
"É impossível achar a verdade na ficção", diz Margaret Atwood
XAVIER MORET
DO "EL PAÍS"
Depois de 15 livros de ficção,
cinco de não-ficção, cinco trabalhos para crianças e 13 coletâneas
de poesia, Margaret Atwood chega ao ápice de sua carreira.
Com seu livro mais recente, "O
Assassino Cego", que é lançado
agora no Brasil, a escritora canadense de 62 anos recebeu derramados elogios e alcançou o Booker Prize, em 2000, a principal distinção literária do Reino Unido e
um dos prêmios mais cobiçados
do mundo.
De Toronto, no Canadá, onde
vive, a autora respondeu a perguntas sobre o complexo romance protagonizado pela octogenária Iris Chase.
Pergunta - "O Assassino Cego" é
feito do cruzamento de três elementos: uma história narrada a
partir da memória de uma das personagens, notícias de jornal e um
romance dentro do romance. Como
a sra. chegou a essa estrutura?
Margaret Atwood - O modelo foi
o das caixas chinesas. Você abre
uma caixa e encontra outra. Assim sucessivamente até chegar ao
coração do romance, que é a história das irmãs Iris e Laura Chase.
Todas as histórias se complementam, como em uma grande colagem formada pela sobreposição
de vários níveis.
Pergunta - Durante a reconstrução da história da família das personagens, a sra. deixa transparecer
uma visão um tanto negativa sobre
o século 20. O que a levou a esse
tom de utopia negativa?
Atwood - Mais do que uma utopia negativa, eu falaria em uma
distopia, quase em uma doença.
Essa foi uma fórmula usada por
muitos escritores. Passa pela
"Utopia", de Thomas More, por
"As Viagens de Gulliver", de Jonathan Swift, por "Admirável
Mundo Novo", de Aldous Huxley. Em "O Assassino Cego" entro
no campo da distopia para criticar a sociedade da Depressão, das
grandes crises econômicas, do
fascismo, do nazismo etc.
Pergunta - Seu texto, não só neste livro, é marcado pelo detalhismo. De onde vem essa paixão?
Atwood - Talvez do convívio
com meu pai, que foi entomólogo. Gosto de descrever detalhadamente as árvores, as flores, as pessoas. Em inglês, dizemos: "Deus
está nos detalhes". É verdade.
Acredito que para conseguir uma
boa ambientação em um romance é imprescindível dar atenção
aos pequenos elementos.
Pergunta - Existe algo igualmente autobiográfico no seu interesse
por temas envolvendo irmãs, como
em "Olho de Gato" e em "O Assassino Cego"?
Atwood - Creio que não. As relação entre irmãos são sempre
complexas, desde Caim e Abel. A
infância é quase sempre um sonho, mas também pode ser um
pesadelo.
Pergunta - Em "O Assassino Cego", a sra. passa a idéia de que a
verdade é fugitiva, difícil de ser esclarecida. Por quê?
Atwood - É impossível encontrar
a verdade na ficção. Sempre há
um mundo secreto, sempre há algo atrás de portas fechadas. Isso é
o que me interessava em meu romance, ir descobrindo aos poucos
isso que se esconde, aproximar-me de uma verdade oculta por
trás das aparências.
Pergunta - Como a sra. fez para
criar para um mesmo trabalho tantos tipos de narrativa distintos?
Atwood - Eu já sou velha e, ao
longo de minha vida, pude ler
muitas coisas esquisitas. Com o
tempo, aprende-se a depurar a
linguagem. Cada nível de "O Assassino Cego" tem uma linguagem diferente. Até os jornais que
cito no livro têm notícias redigidas de modo distinto. A língua
tem um amplo espectro de possibilidades.
Pergunta - Em muitos momentos
o livro lembra mais a música do que
a literatura. Qual a relação da sra.
com a música?
Atwood - Incrível. Essa era uma
das minhas idéias quando fiz o romance. A música, como a escrita,
é um bom medidor do tempo.
Gosto do que ela permite com relação a idas e voltas a um mesmo
tema. Na estrutura de "O Assassino Cego" tive em conta isso. Escrevi 93 pequenos capítulos nos
quais intercalei, ao princípio do
romance, uma narração da personagem, uma notícia de jornal e o
romance dentro do romance. No
final, inverti a ordem.
Tradução Cassiano Elek Machado
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