São Paulo, quarta-feira, 05 de janeiro de 2005

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COMENTÁRIO

Autor indicou a estrada que eu procurava

LAERTE
CARTUNISTA DA FOLHA

Conhecer o trabalho de Will Eisner -primeiro, o "Spirit"- foi, para mim, como para todo mundo, uma enorme alegria.
Eram histórias que dançavam na frente dos olhos, criando uma região inédita, onde a caricatura e o drama se misturavam.
Ele tinha um desenho clássico, como mandava o figurino, até a assinatura era tipo Disney, modelão grandes marcas, mas com roteiros dementes!
Que invadiam tudo, drama, suspense, terror, surrealismo, metalinguagem, sem se render a nada.
Liberdade, uma liberdade de resultados, vamos dizer; onde a eficiência da narração é a grande privilegiada. A estrada que eu estava procurando.
Não que eu a tenha trilhado com toda a desenvoltura, mas eu estava começando, era a estrela-guia. Fui atrás de copiar seu preto-e-branco poderoso, usar suas sombras-quase-gente, tentar seus ângulos estonteantes.
Naquela época, Eisner era, para mim, um dos mestres do passado, assim como Steve Cannion, Hal Foster, gente que tinha deixado sua marca nos anos em que eu era pirralho, ou antes.
Só quando começaram a aparecer as graphic novels dele foi que eu percebi que o sujeito não só estava vivo, como lá na frente. Eu tinha que começar tudo de novo!

Mestre total
Depois eu o conheci ao vivo, numa gravação do programa do Jô Soares, por conta de um documentário sobre ele, dirigido pela Marisa Furtado.
Não era só um homem gentil, como interessado em tudo, contador de história, aconselhador, um mestre total.
Há pouco tempo, numa entrevista à Folha, Chico Buarque ventilou uma tese sobre ser a canção popular uma linguagem típica do século 20, assim como a ópera foi do 19.
Talvez as histórias em quadrinhos também sejam um ciclo consumado, como começam a atestar as reedições de clássicos -embora ainda continuem a render trabalhos originais e gerar prazer em levas e levas de novos leitores.
Talvez a vitalidade do mangá indique uma direção nova, acoplada com a animação, com a rede, o cinema, audiovisuais ainda por serem inventados (como os contratos de direito autoral costumam botar).
Talvez haja uma outra direção, correspondendo ao que o Chico identificou no hip hop, no caso da música. No caso dos quadrinhos, a outra direção talvez seja o grafite.
E esse homem, que sempre desenhou com pincel, nanquim, guache e coloriu com tinta sobre papel, talvez tenha apontado nas suas histórias, nos cenários que criou, nas pessoas a que deu vida, todas essas direções.


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