São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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Bares paulistanos passam a utilizar cervejas do tipo stout em sopas, tortas e até sobremesas

Cerveja no prato

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Desculpa para encher a cara ou não, a máxima está na boca dos irlandeses em seus pubs: um pint (lê-se "páint", copo de 568 ml) de Guinness por dia mantém o doutor distante -em inglês combina melhor: "a pint of Guinness a day keeps the Doc away".
(As cervejas da classe stout -escuras, encorpadas, amargas, com espuma consistente e sabor "torrado"- contêm algumas qualidades nutritivas que as faziam ser oferecidas a pacientes hospitalares do país, no início do século 20, pela capacidade de estimular a produção de glóbulos vermelhos.)
Polêmicas sobre benefícios à saúde à parte, nota-se que, no Brasil, cresce o hábito de utilizar stouts -cuja marca mais famosa é a irlandesa Guinness- como ingrediente culinário.
Aumenta o número de pubs em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, aumenta o cardápio de pratos típicos ingleses e irlandeses. E chegam as novidades: a Guinness aparece até como sobremesa. No paulistano Drake's Bar & Deck, a cerveja vem na forma de sorvete.
"Há três meses comecei a mexer nessa receita", explica o australiano Gregor Caisley, 28, chef do bar e restaurante. "Conversava com várias pessoas e, principalmente as mulheres, diziam que não gostavam de Guinness porque é muito amarga. Pensei em criar algo diferente com a cerveja e surgiu o sorvete. E acabou ficando bom. Pedia para alguns clientes adivinharem do que era feito. Diziam que tinha gosto de caramelo, de café."
Esse paladar é sentido porque as stouts são feitas a partir de cevada torrada, em processo semelhante ao ocorrido com grãos de café. (É bom lembrar que o sorvete de Guinness, como todos os pratos feitos com a cerveja, não deixa ninguém de fogo, pois a bebida é fervida e perde o teor alcoólico.)
A receita da sobremesa é segredo de Caisley, que vive no Brasil há cinco anos. "Leva creme de leite e ovo. Sirvo com farofa de aveia, nozes e açúcar mascavo, com raspa de chocolate em cima. Possui três sabores marcantes: café, caramelo e o amargor da cerveja."
Na Europa, os pratos são feitos com Guinness ou com outra marca de stout. Das brasileiras, pode ser usada, por exemplo, a Xingu -mas não cervejas pretas adocidadas como a Malzbier.
"Mas a maioria desses pratos contêm outros ingredientes, e o gosto de Guinness não fica tão acentuado. No sorvete, o ingrediente que vai em maior quantidade é a Guinness", brinca, e polemiza, Caisley.

Stout na sopa
"A cerveja preta, pelo seu sabor acentuado, fica muito bem, principalmente, com carne de caça", diz o chef Marcelo Fávaro, do Tre Cucina Italiana. "A bebida acrescenta um sabor de tostado e consegue-se encorpar o molho quando passa pela redução."
De inspiração belga, a sopa de cebola feita por ele é preparada com stout, e não com vinho. "A cerveja é menos ácida do que o vinho e harmoniza bem com o adocicado da cebola. Acho que fica mais aconchegante para tomar no inverno", sugere.
Criada em 1759, em Dublin, por Arthur Guinness -ele conseguiu a concessão de um terreno de quatro acres, por 9.000 anos, sob o pagamento de 45 libras anuais-, a cervejaria Guinness, em St. James Gate, é um dos principais pontos turísticos da capital irlandesa e, como James Joyce (1822-1941), uma referência do país.
O Irish Stew (cozido irlandês) "está para a Irlanda como a feijoada está para o Brasil", avalia Mário Fuchs, proprietário do Finnegan's Pub, em São Paulo. "A culinária irlandesa possui pratos consistentes, muitos deles inspirados na cozinha nórdica, e a Guinness, por ser uma cerveja forte, funciona bem com esse tipo de comida."
No O'Malleys, o prato é chamado de Baby Joyce e, em vez de cordeiro, é preparado com fraldinha. Para acompanhar, um pão basta.
O All Black, também nos Jardins, tem como estrela de seu cardápio a Guinness pie. "É uma torta irlandesa recheada com cozido de filé, batata e cenoura. Durante o cozimento, a carne é misturada à Guinness", diz Vivian Hinbmarsh, uma das sócias do pub. "O nome na Irlanda é kidney pie e leva rim bovino no recheio."
Apesar de encorpadas, as stouts têm menos calorias (120 kcal) do que, por exemplo, a mesma quantidade de suco de laranja.
No Brasil, a Guinness é encontrada em 14 bares e/ou pubs na sua versão "chope"; já a lata é vendida em vários pontos-de-venda. Além das carnes, pode ser utilizada na preparação do Christmas pudding (pudim natalino que leva uvas passas e frutas cristalizadas), de bolos e tortas -a Casa Belfiori, na Barra Funda, prepara um Guinness cake: bolo recheado com frutas secas e nozes banhados em Guinness, acompanhado por uma bola de sorvete de creme.


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