São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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Livros - Crítica/"Oscarito - O Riso e o Siso" e "Grande Otelo - Uma Biografia"

Biografias seguem Oscarito e Otelo do circo até o cinema

Escritos por Flávio Marinho e Sérgio Cabral, respectivamente, livros aproximam heróis cômicos das chanchadas da Atlântida

Divulgação
Grande Otelo e Oscarito em cena de "Matar ou Correr', de Carlos Manga, filme de 1954


JOSÉ CARLOS AVELLAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

É como se tudo tivesse começado em 1935, ano de "Cidade Maravilhosa", de André Filho, e do samba de Carnaval "Implorar", de Moreira da Silva.
Nesse mesmo ano, Oscarito e Grande Otelo apareceram juntos pela primeira vez no cinema, "Noites Cariocas", produção da Cinédia, direção de Enrique Cadicamo.
O aparecimento quase simultâneo de duas biografias -"Oscarito - O Riso e o Siso, de Flávio Marinho, e "Grande Otelo -Uma Biografia", de Sérgio Cabral- estimula o leitor a se aproximar destes dois artistas, assim como eles permanecem na memória do espectador de cinema: como a dupla que começou a se formar em 1935.
Na verdade, Oscarito atuou em quase 50 filmes, e Grande Otelo em pouco mais de cem -e mais que cinema, fizeram circo e teatro. Passear pelas duas biografias permite ao leitor descobrir o quanto eles fizeram isoladamente, antes, durante e depois dos trabalhos em que atuaram lado a lado. E descobrir o quanto suas histórias, muito diferentes entre si, possuem pontos em comum: o começo ainda criança no circo, o amadurecimento no teatro e a popularidade nos filmes da Atlântida.
1935, lembra Sérgio Cabral: Otelo chegou ao Rio num domingo de Carnaval. Vinha de São Paulo, com a Companhia Teatral de Jardel Jércolis. Tinha 18 anos. Era conhecido por Pequeno Otelo, pseudônimo com que se apresentava desde os sete anos de idade, em circos e teatros e na Companhia Negra de Revistas a partir de 1926.

Um novo nome
Com o término da Companhia Negra, ficara internado num colégio e então apenas começava a voltar ao teatro na Companhia de Jardel Jércolis, que teve a idéia de batizá-lo de "The Great Otelo". O nome era o do personagem de Otelo no espetáculo "Gol!", que estreou em 31 de maio de 1935. O pseudônimo veio do filme "The Great Gabo", de Von Stroheim.
Nasceu assim o pseudônimo que iria consagrar Sebastião Bernardes de Souza Prata antes mesmo que ele tivesse uma certidão de identidade. Foi só em 1939, porque precisava de um documento para assinar um contrato com o Cassino da Urca, que Sebastião, nascido em 1917 em São Pedro de Uberabinha, "tirou uma certidão de idade no Rio de Janeiro e resolveu que este seria o seu nome".
1935, lembra Flávio Marinho, foi muito importante para Oscar Lorenzo Jacinto de la Imaculada Concepción Teresa Diaz, "primeiro, porque nascia, em agosto, a sua filha querida, Miryan Thereza. Depois, porque marcava o seu encontro profissional com aquele que viria a ser o seu maior parceiro no cinema: Grande Otelo".

O início da parceria
Quando se conheceram, Otelo ainda não era Grande nem tinha certidão de nascimento; Oscarito não tinha certidão de batismo em português. Natural de Málaga, chegou ao Brasil aos dois anos de idade. Trabalhou no circo também desde os seis ou sete anos.
Muitos filmes depois de "Noites Cariocas" (sete de Oscarito; 13 de Otelo), os dois voltariam a se encontrar em 1944 em "Tristezas Não Pagam Dívidas", de José Carlos Burle e Rui Costa, produção da Atlântida Cinematográfica.
A parceria esboçada em 1935 e iniciada de fato nove anos mais tarde teve, no final de 1949, o seu grande momento (a paródia de "Romeu e Julieta" é não só "um dos pontos altos de "Carnaval no Fogo" como de toda a história da chanchada", comenta Flávio Marinho) e simultaneamente o momento mais trágico.
Grande Otelo estava em cartaz com uma peça, "Está com Tudo e Não Está Prosa", de Freire Júnior e Walter Pinto, e filmava "Carnaval no Fogo" (Watson Macedo, 1950) quando, na manhã do sábado 20 de novembro, sua mulher, Lúcia Maria, matou o filho, Chuvisco, de seis anos e se suicidou.
"Os corpos foram levados para a capela Santa Teresinha, no Campo de Santana, para o velório", conta Sérgio Cabral. "Mas todo o elenco de "Está com Tudo e Não Está Prosa" surpreendeu-se na matinê de sábado quando viu Grande Otelo chegar e dirigir-se ao camarim para mudar de roupa."
Watson Macedo disse (em 1975) que Grande Otelo foi diretamente do cemitério para o estúdio e que nesse dia "fez o melhor trabalho de sua carreira, a Julieta de peruca loura e vestido da época" que contracena com o Romeu de Oscarito. Macedo diz que "o homem que caía em prantos nos intervalos da filmagem era o oposto do ator que entrava em cena, sem a menor marca da tragédia no rosto".
Cabral lembra que Otelo dizia que a cena não fora filmada em seguida ao enterro, mas numa rápida temporada da companhia de Walter Pinto em São Paulo, poucos dias depois da tragédia. Mas que só conseguiu vê-la 25 anos depois, na antologia "Assim Era a Atlântida" (Carlos Manga, 1975).

Tom autobiográfico
São duas biografias com um quê de autobiografia. Marinho se move a partir de uma lembrança de "Os Dois Ladrões" (Carlos Manga, 1960), que viu quando criança. Cabral escreve a partir da sensação de que o conhecimento da história de Otelo "renova as esperanças em um Brasil melhor".
Ele, que já admirava o artista, passou a admirar também esse "brasileiro que se enquadra perfeitamente nas estatísticas daqueles que são prematuramente condenados à morte, seja pela violência, seja por uma dessas doenças que atingem os que vivem na marginalidade" e que, no entanto, "encantou o público de nosso país durante quase sete décadas, batendo recordes de participações em filmes e espetáculos. Um artista, em todos os aspectos, genial".
A biografia de Grande Otelo, mais bem-documentada e estruturada, nasce do elogio à força e à capacidade de trabalho do ator. A de Oscarito, da memória de Flávio e do lamento pela falta de oportunidades depois do fim da Atlântida e pelo não-reconhecimento da genialidade do ator pelos intelectuais.


JOSÉ CARLOS AVELLAR é crítico de cinema, autor de "O Chão da Palavra"; uma coleção de seus textos está em www.escrevercinema.com

OSCARITO: O RISO E O SISO
Autor:
Flávio Marinho
Editora: Record
Quanto: R$ 45 (336 págs.)
Avaliação: bom

GRANDE OTELO - UMA BIOGRAFIA
Autor:
Sérgio Cabral
Editora: Editora 34
Quanto: R$ 44 (320 págs.)
Avaliação: bom


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