|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Guerra acontece na formação da opinião
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os Estados Unidos prometeram para hoje, na reunião
do Conselho de Segurança da
ONU, revelações bombásticas
que justificariam o dificilmente
justificável: o ataque ao Iraque. A
ofensiva bélica ocorre também no
plano da formação de opinião.
Comparando a cobertura internacional de canais como CNN,
BBC, DW, é possível acessar a
guerra de imagens, dimensão estratégica e intrínseca da política.
Públicos ou privados, os canais
estrangeiros assumem uma coloração nacional, expressam um
ponto de vista dominante em seus
países e com isso contribuem para a configuração do mosaico de
posições, que vai se alinhando em
direção à guerra.
Nem a explosão da nave espacial Columbia foi capaz de desviar
os Estados Unidos da rota de colisão com o Iraque. As imagens
dramáticas da desintegração do
aparelho tripulado por cientistas
americanos e estrangeiros, em
missão pacífica de pesquisa, competiram por alguns dias com as
imagens eletrônicas de simulação
do ataque ao Iraque.
Mas a agenda continua em pé.
Como que transformada em braço armado do governo de seu país
no front das batalhas simbólicas,
a CNN ajuda a construir a escalada de acusações e hostilidades,
um clima de suspense melodramático em que Hollywood é mestre, e que, salvo algum percalço
imprevisto no roteiro do governo
americano, deveria culminar na
vitória junto aos poços de petróleo do lado de lá do planeta.
A BBC é ligeiramente mais plural que a CNN. Aqui há espaço para um jornalista alemão declarar,
por exemplo, que o povo americano precisa tomar consciência
de o quanto o seu país é detestado
no mundo.
Mas o apoio, ao que parece, incondicional, do governo inglês
aos Estados Unidos, compromete
a isenção da cobertura da tradicional emissora pública.
A brasileira Band News afirma
que o presidente Bush estaria planejando reforçar a linha de frente
de formação de opinião, criando
um canal estatal de televisão especialmente dedicado a emitir notícias para o mundo árabe. Na ainda limitada arena audiovisual global, o espaço para opiniões contrárias à guerra é pequeno.
A Alemanha, que protagonizou
os conflitos armados no século 20,
hoje aparece em posição invertida. O governo de Schröder, enfraquecido pela derrota sofrida nas
eleições regionais, capitaneia a resistência ocidental ao conflito. A
posição destoante de seu país se
expressa no jornalismo da DW,
canal alemão que transmite em
inglês em alguns horários, como
8h e 22h.
No campo da luta pelo controle
das representações falta uma rede
internacional, independente, poliglota, que levante as consequências de uma possível guerra para a
economia e a política dos diversos
países, que dê mais atenção às
manifestações de cidadãos e organizações não-governamentais,
que dispute a formação da opinião pública -inclusive e talvez
principalmente, a norte-americana. De qualquer maneira, em
tempos de equilíbrio internacional precário, vale atentar para a
parca diversidade oferecida pelo
noticiário estrangeiro, assunto
que poderia enriquecer a pauta
das nossas emissoras.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
Texto Anterior: Cinema 2: Morre o diretor português João Cesar Monteiro Próximo Texto: Marcelo Coelho: Sobre os prazeres de usar xampu Índice
|