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São Paulo, quarta-feira, 05 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

Guerra acontece na formação da opinião

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os Estados Unidos prometeram para hoje, na reunião do Conselho de Segurança da ONU, revelações bombásticas que justificariam o dificilmente justificável: o ataque ao Iraque. A ofensiva bélica ocorre também no plano da formação de opinião.
Comparando a cobertura internacional de canais como CNN, BBC, DW, é possível acessar a guerra de imagens, dimensão estratégica e intrínseca da política.
Públicos ou privados, os canais estrangeiros assumem uma coloração nacional, expressam um ponto de vista dominante em seus países e com isso contribuem para a configuração do mosaico de posições, que vai se alinhando em direção à guerra.
Nem a explosão da nave espacial Columbia foi capaz de desviar os Estados Unidos da rota de colisão com o Iraque. As imagens dramáticas da desintegração do aparelho tripulado por cientistas americanos e estrangeiros, em missão pacífica de pesquisa, competiram por alguns dias com as imagens eletrônicas de simulação do ataque ao Iraque.
Mas a agenda continua em pé. Como que transformada em braço armado do governo de seu país no front das batalhas simbólicas, a CNN ajuda a construir a escalada de acusações e hostilidades, um clima de suspense melodramático em que Hollywood é mestre, e que, salvo algum percalço imprevisto no roteiro do governo americano, deveria culminar na vitória junto aos poços de petróleo do lado de lá do planeta.
A BBC é ligeiramente mais plural que a CNN. Aqui há espaço para um jornalista alemão declarar, por exemplo, que o povo americano precisa tomar consciência de o quanto o seu país é detestado no mundo.
Mas o apoio, ao que parece, incondicional, do governo inglês aos Estados Unidos, compromete a isenção da cobertura da tradicional emissora pública.
A brasileira Band News afirma que o presidente Bush estaria planejando reforçar a linha de frente de formação de opinião, criando um canal estatal de televisão especialmente dedicado a emitir notícias para o mundo árabe. Na ainda limitada arena audiovisual global, o espaço para opiniões contrárias à guerra é pequeno.
A Alemanha, que protagonizou os conflitos armados no século 20, hoje aparece em posição invertida. O governo de Schröder, enfraquecido pela derrota sofrida nas eleições regionais, capitaneia a resistência ocidental ao conflito. A posição destoante de seu país se expressa no jornalismo da DW, canal alemão que transmite em inglês em alguns horários, como 8h e 22h.
No campo da luta pelo controle das representações falta uma rede internacional, independente, poliglota, que levante as consequências de uma possível guerra para a economia e a política dos diversos países, que dê mais atenção às manifestações de cidadãos e organizações não-governamentais, que dispute a formação da opinião pública -inclusive e talvez principalmente, a norte-americana. De qualquer maneira, em tempos de equilíbrio internacional precário, vale atentar para a parca diversidade oferecida pelo noticiário estrangeiro, assunto que poderia enriquecer a pauta das nossas emissoras.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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