São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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Morre a explosiva poeta Hilda Hilst

Eder Chiodetto
A escritora paulista Hilda Hilst, que morreu ontem, caminha pela sua chácara "Casa do Sol", em Campinas (SP)


Aos 73 anos, uma das principais autoras do país era marcada pela originalidade de seus 40 livros

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu Hilda Hilst. Uma das escritoras mais explosivas do século 20 brasileiro, ela tinha 73 anos e foi derrotada por uma deficiência crônica cardíaca e pulmonar no Hospital da Unicamp, em Campinas, onde seria enterrada na tarde de ontem.
Paulista de Jaú, Hilst tinha mais de cinco décadas de literatura. A poeta (ai de quem a chamasse de poetisa: "Aí fico raivosa. Dá idéia de moça prendada") estreou em 1950, com "Presságios", e depois imprimiu outros 40 volumes.
Quase tantos eram os prêmios que equilibrava, com certo desprezo, sobre a lareira de seu casarão, a mítica Casa do Sol, chácara a 11 km de Campinas onde vivia há 40 anos, só, sem maridos e filhos, cercada por dezenas de vira-latas (no último censo eram 64).
Mais do que prêmios, mais do que cães, acima de tudo, Hilda Hilst foi conhecida por sua ousadia e pela inovação sem freios. O maior crítico brasileiro, Antonio Candido, 85, ressaltou ontem à Folha justamente sua originalidade e coragem.
O vanguardismo da autora de "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão" fez com que seus livros saíssem sempre em editoras pequenas, com tiragens exíguas e o carimbo invisível de "maldita".
"Nunca achei que iam me ler mesmo. Mas nunca entendi por que me achavam difícil", disse Hilst à Folha em entrevista em 2002. Nesse ano, a poeta ganhava pela primeira vez reimpressões por uma grande editora, a Globo, que desde então já publicou 11 volumes, aos quais se juntarão "Baladas", em fevereiro, e "O Caderno Rosa de Lori Lamby", em abril.
O organizador de suas obras completas, Alcir Pécora, diz que não existia nada rigorosamente inédito a ser publicado. "Mas a maior parte de sua obra era inédita, no sentido de que não se conhecia. Eram edições artesanais."
Na entrevista à Folha de dois anos atrás, ela disse estar voltando a escrever. O livro "O Koisa" tratava de um "caroço da azeitona de uma empada". Logo emendou, agitando um dos 40 cigarros que fumava todo dia (o amigo Mora Fuentes, 53, disse ontem que um cigarro foi o último pedido da autora), que sempre escrevia sobre si mesma. "Por isso que você faz ficção, para exercitar a imaginação de você mesma."
Sua imaginação cabia em todos os moldes: poesia, prosa, crônica, teatro (seu predileto era "Kadosh": "Todo mundo achou chato. O brasileiro não lê picas", disse em "hilstês"). "A loucura", dizia, era o elemento que unia sua obra.
Nos últimos anos, Hilst se dedicava ao lado espiritual. "Imortalidade é minha maior crença", repetia. Na conversa com a Folha, a escritora se despediu, copo de uísque na mão, dizendo que a alma era imortal. "Vou morrer, mas vou continuar fazendo poemas."


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