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Show de realidade
No embalo de "Cidade de Deus", filmes do Brasil vão a Berlim com foco no cotidiano
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
O rap nos morros cariocas, o cotidiano de uma família de classe
média na zona leste de São Paulo,
o envolvimento entre um casal de
idosos em Copacabana. A realidade brasileira, turbinada pelo sucesso de "Cidade de Deus", de
Fernando Meirelles, que concorre
em quatro categorias no Oscar, é
destaque no 54º Festival Internacional de Cinema de Berlim, a
Berlinale, que é aberta hoje, na capital alemã. As três produções serão exibidas na sessão Panorama,
a segunda mais importante do
evento.
"Os filmes brasileiros que mais
repercutem no exterior costumam realizar uma reflexão sobre
o país", afirma Marcos Bernstein,
33, diretor que leva seu primeiro
longa, "O Outro Lado da Rua" para estrear em Berlim, tendo Fernanda Montenegro -Urso de
Prata da Berlinale, em 1998, por
"Central do Brasil"- e Raul Cortez como estrelas da produção.
No entanto, "O Outro Lado",
que se passa em Copacabana, não
busca um aproximação realista
com o Brasil: "O país é o pano de
fundo, o que não quer dizer que
os personagens agem de qualquer
maneira, afinal eles estão aqui,
mas, de qualquer forma, o realismo não é uma questão que me interessa", afirma Bernstein. A produção será exibida no dia 12, no
Zoo Palast, a mesma sala que ovacionou Montenegro por mais de
dez minutos, há seis anos.
Já as outras duas produções nacionais apresentam vínculos mais
estreitos com o cotidiano brasileiro e chegam a Berlim com apoios
respeitáveis: "Contratodos", de
Roberto Moreira, tem produção
da O2 Filmes de Fernando Meirelles, e "Fala Tu", de Guilherme
Coelho, tem produção da VideoFilmes, dos irmãos Walter e João
Moreira Salles.
Até que ponto o sucesso de "Cidade de Deus" pode alavancar as
produções nacionais? "O Fernando [Meirelles] está abrindo portas
difíceis de serem abertas. O apoio
dele é um atestado de qualidade e
o início de um projeto mais amplo para a cinematografia brasileira, algo parecido com o que
aconteceu com a Argentina há alguns anos", diz Moreira, 42, à Folha. Entretanto, o diretor, que
aborda uma família da zona leste
paulistana em sua produção, evita
apostar que o realismo seja uma
nova marca: "Prefiro pensar que é
o princípio da verossimilhança
que nos une, em criar imagens
que fazem com que o espectador
acredite no que está vendo".
Dos três brasileiros a serem exibidos em Berlim, o único que não
é inédito é "Fala Tu", prêmio de
melhor diretor no Festival do Rio,
no ano passado. Realismo também não é uma preocupação direta de seu realizador. "Não é um
filme que fala das favelas, da violência, mas da tensão na vida das
pessoas", afirmou Coelho, de
Miami, onde apresenta seu documentário no festival da cidade
norte-americana.
Competição
Já a Competição, a mostra mais
importante da Berlinale, ficou
sem brasileiros por um problema
de agenda. "Diários de Motocicleta", a nova produção de Walter
Salles, chegou a ser convidada para o festival, mas, segundo sua assessoria de imprensa, como o diretor encontra-se no Canadá filmando "Dark Water", com a bela
Jennifer Connelly, não pode se
deslocar para a Alemanha.
Mesmo assim, será exibido um
"making of" de "Diários de Motocicleta", realizado pelo italiano
Gianni Minà, na sessão de documentários do Panorama. O diretor italiano chegou a ajudar Salles
a contatar a família de Guevara
para a realização de seu filme.
Sem brasileiros, ao menos a
América Latina tem dois representantes entre as 26 produções
da mostra competitiva: "El Abrazo Partido", do argentino Daniel
Burman, e "Maria, Llena de gracia", do californiano Joshua
Marston, uma co-produção entre
Estados Unidos e Colômbia, com
atores colombianos.
"A América Latina ganha um
foco especial na Berlinale deste
ano", afirma o diretor do evento,
Dieter Kosslick, que dará o Urso
de Ouro pelo conjunto da obra ao
cineasta argentino Fernando Solanas.
Sonhos e esperança são os temas que unem os filmes da mostra competitiva deste ano. "Sonhos, alcançáveis e inalcançáveis,
são o que os espectadores têm em
comum com os personagens na
tela", afirma Kosslick.
Hollywood tem presença mais
discreta nesta edição, já que o
anúncio dos indicados ao Oscar,
que em geral ocorre durante a
Berlinale, já foi feita, fazendo com
que algumas estrelas, como Nicole Kidman, que participa de "Cold
Mountain", filme que abre o festival, cancelasse sua presença no
evento.
Entre os destaques da programação, estão as novas produções
de Ken Loach, John Boorman,
Eric Rohmer e Ron Howard. Com
temperaturas abaixo de 0º nos últimos anos, ao menos Berlim já se
aproxima da América Latina de
outra forma. Quem passar pelo
tapete vermelho do festival irá
sentir um ar mais quente, já que a
cidade está com a agradável -para os padrões berlinenses- temperatura de 10º.
O jornalista Fabio Cypriano viaja a convite do Instituto Goethe de São Paulo e
da organização da Berlinale
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