São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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Show de realidade

No embalo de "Cidade de Deus", filmes do Brasil vão a Berlim com foco no cotidiano

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O rap nos morros cariocas, o cotidiano de uma família de classe média na zona leste de São Paulo, o envolvimento entre um casal de idosos em Copacabana. A realidade brasileira, turbinada pelo sucesso de "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, que concorre em quatro categorias no Oscar, é destaque no 54º Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, que é aberta hoje, na capital alemã. As três produções serão exibidas na sessão Panorama, a segunda mais importante do evento.
"Os filmes brasileiros que mais repercutem no exterior costumam realizar uma reflexão sobre o país", afirma Marcos Bernstein, 33, diretor que leva seu primeiro longa, "O Outro Lado da Rua" para estrear em Berlim, tendo Fernanda Montenegro -Urso de Prata da Berlinale, em 1998, por "Central do Brasil"- e Raul Cortez como estrelas da produção.
No entanto, "O Outro Lado", que se passa em Copacabana, não busca um aproximação realista com o Brasil: "O país é o pano de fundo, o que não quer dizer que os personagens agem de qualquer maneira, afinal eles estão aqui, mas, de qualquer forma, o realismo não é uma questão que me interessa", afirma Bernstein. A produção será exibida no dia 12, no Zoo Palast, a mesma sala que ovacionou Montenegro por mais de dez minutos, há seis anos.
Já as outras duas produções nacionais apresentam vínculos mais estreitos com o cotidiano brasileiro e chegam a Berlim com apoios respeitáveis: "Contratodos", de Roberto Moreira, tem produção da O2 Filmes de Fernando Meirelles, e "Fala Tu", de Guilherme Coelho, tem produção da VideoFilmes, dos irmãos Walter e João Moreira Salles.
Até que ponto o sucesso de "Cidade de Deus" pode alavancar as produções nacionais? "O Fernando [Meirelles] está abrindo portas difíceis de serem abertas. O apoio dele é um atestado de qualidade e o início de um projeto mais amplo para a cinematografia brasileira, algo parecido com o que aconteceu com a Argentina há alguns anos", diz Moreira, 42, à Folha. Entretanto, o diretor, que aborda uma família da zona leste paulistana em sua produção, evita apostar que o realismo seja uma nova marca: "Prefiro pensar que é o princípio da verossimilhança que nos une, em criar imagens que fazem com que o espectador acredite no que está vendo".
Dos três brasileiros a serem exibidos em Berlim, o único que não é inédito é "Fala Tu", prêmio de melhor diretor no Festival do Rio, no ano passado. Realismo também não é uma preocupação direta de seu realizador. "Não é um filme que fala das favelas, da violência, mas da tensão na vida das pessoas", afirmou Coelho, de Miami, onde apresenta seu documentário no festival da cidade norte-americana.

Competição
Já a Competição, a mostra mais importante da Berlinale, ficou sem brasileiros por um problema de agenda. "Diários de Motocicleta", a nova produção de Walter Salles, chegou a ser convidada para o festival, mas, segundo sua assessoria de imprensa, como o diretor encontra-se no Canadá filmando "Dark Water", com a bela Jennifer Connelly, não pode se deslocar para a Alemanha.
Mesmo assim, será exibido um "making of" de "Diários de Motocicleta", realizado pelo italiano Gianni Minà, na sessão de documentários do Panorama. O diretor italiano chegou a ajudar Salles a contatar a família de Guevara para a realização de seu filme.
Sem brasileiros, ao menos a América Latina tem dois representantes entre as 26 produções da mostra competitiva: "El Abrazo Partido", do argentino Daniel Burman, e "Maria, Llena de gracia", do californiano Joshua Marston, uma co-produção entre Estados Unidos e Colômbia, com atores colombianos.
"A América Latina ganha um foco especial na Berlinale deste ano", afirma o diretor do evento, Dieter Kosslick, que dará o Urso de Ouro pelo conjunto da obra ao cineasta argentino Fernando Solanas.
Sonhos e esperança são os temas que unem os filmes da mostra competitiva deste ano. "Sonhos, alcançáveis e inalcançáveis, são o que os espectadores têm em comum com os personagens na tela", afirma Kosslick.
Hollywood tem presença mais discreta nesta edição, já que o anúncio dos indicados ao Oscar, que em geral ocorre durante a Berlinale, já foi feita, fazendo com que algumas estrelas, como Nicole Kidman, que participa de "Cold Mountain", filme que abre o festival, cancelasse sua presença no evento.
Entre os destaques da programação, estão as novas produções de Ken Loach, John Boorman, Eric Rohmer e Ron Howard. Com temperaturas abaixo de 0º nos últimos anos, ao menos Berlim já se aproxima da América Latina de outra forma. Quem passar pelo tapete vermelho do festival irá sentir um ar mais quente, já que a cidade está com a agradável -para os padrões berlinenses- temperatura de 10º.


O jornalista Fabio Cypriano viaja a convite do Instituto Goethe de São Paulo e da organização da Berlinale

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