São Paulo, sábado, 05 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

CONTO

Obra de Cândido de Carvalho traça perfil "astuciado" da população brasileira

Simples e pra cima, "Ninho de Mafagafes" destrava literatura

MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Repita sete vezes, sem errar: "Havia um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos. Bom desmafagador será quem bem os desmafagar". E aí, conseguiu? O que será que será? É desse trava-língua, ou quebra-língua, que saiu o título do livro "Um Ninho de Mafagafes Cheio de Mafagafinhos" (1972), relançado agora e de autoria de um dos escritores mais originais e bem-humorados da literatura brasileira.
Falo do cearense José Cândido de Carvalho. Opa! Quem disse que o cara é cearense? Alagoano não é. Nem pernambucano. Embora pareça de outro canto, Cândido de Carvalho nasceu mesmo em Campos dos Goitacazes, no Rio, em 1914 (morto em 1989).
É ele autor do clássico-popular "O Coronel e o Lobisomem" (1964), romance que vai virar filme ainda neste ano pelas mãos do Guel "da Compadecida" Arraes. A verdade, rapaz, é que há muitas semelhanças entre o que o autor fluminense conta e o que o João Grilo do Suassuna apronta.
Principalmente, acredito, neste seu "Ninho", que reúne "contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil". E que povinho! São quase 150 minicontos, traçando o perfil de gente que só quer se dar bem na sua "vidinha". Faz tempo eu não tinha contato com literatura assim, simples e pra cima. Creio que São Paulo, e sua velocidade metida a besta, é que trava nossa língua.
Quer apostar? Repita agora esta, sete vezes sem errar: "População copulação copulação população população copulação".
Deixa pra lá.
O que quero dizer é que a leitura do livro do Cândido de Carvalho me trouxe de volta àquelas cidadezinhas do interior, onde as coisas acontecem por trás do muro, devagar e sempre: prefeitos tarados, vigários vigaristas, don Juans donzelos, doutores doentes.
Tudo sem muito mistério. Numa linguagem saborosa e sonora de acompanhar, a contar pelos nomes dos personagens: Abilatrício Teles, Cacimbilda Saquarema, Finfilóquio Tupinambá etc. O que me lembrou leitura recente que fiz da novela "Vitrola dos Ausentes" (Ateliê Editorial), em que o autor gaúcho Paulo Ribeiro constrói toda a narrativa via estrambóticos nomes próprios e num clima de poesia e graça únicas.
Eta danado! Dizendo assim até parece que Carvalho escreveu um livro cândido, complacente. Longe disso. Lembra, repito, a folia amarela de personagens como o João Grilo, do "Auto da Compadecida". Tem o humor corrosivo do Dalton Trevisan, por exemplo.
Vale ressaltar, inclusive, que cada conto curto deste "Ninho de Mafagafes" tem um título que é um microconto à parte, como "Transferência para o Céu Só com Ordem Superior".
Livro para ler num fôlego só, creio. E sem errar.


Marcelino Freire é escritor. Autor, entre outros, de "BaléRalé" (Ateliê Editorial).

Um Ninho de Mafagafes Cheio de Mafagafinhos
    
Autor: José Cândido de Carvalho
Editora: Rocco
Quanto: R$ 22,50 (145 págs.)


Texto Anterior: Vitrine brasileira
Próximo Texto: "Mário Faustino - Uma Biografia": Autora tende à mitificação do poeta
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.