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LIVROS
CONTO
Obra de Cândido de Carvalho traça perfil "astuciado" da população brasileira
Simples e pra cima, "Ninho de Mafagafes" destrava literatura
MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Repita sete vezes, sem errar:
"Havia um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos. Bom
desmafagador será quem bem os
desmafagar". E aí, conseguiu? O
que será que será? É desse trava-língua, ou quebra-língua, que saiu
o título do livro "Um Ninho de
Mafagafes Cheio de Mafagafinhos" (1972), relançado agora e
de autoria de um dos escritores
mais originais e bem-humorados
da literatura brasileira.
Falo do cearense José Cândido
de Carvalho. Opa! Quem disse
que o cara é cearense? Alagoano
não é. Nem pernambucano. Embora pareça de outro canto, Cândido de Carvalho nasceu mesmo
em Campos dos Goitacazes, no
Rio, em 1914 (morto em 1989).
É ele autor do clássico-popular
"O Coronel e o Lobisomem"
(1964), romance que vai virar filme ainda neste ano pelas mãos do
Guel "da Compadecida" Arraes.
A verdade, rapaz, é que há muitas
semelhanças entre o que o autor
fluminense conta e o que o João
Grilo do Suassuna apronta.
Principalmente, acredito, neste
seu "Ninho", que reúne "contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil". E
que povinho! São quase 150 minicontos, traçando o perfil de gente
que só quer se dar bem na sua "vidinha". Faz tempo eu não tinha
contato com literatura assim,
simples e pra cima. Creio que São
Paulo, e sua velocidade metida a
besta, é que trava nossa língua.
Quer apostar? Repita agora esta,
sete vezes sem errar: "População
copulação copulação população
população copulação".
Deixa pra lá.
O que quero dizer é que a leitura
do livro do Cândido de Carvalho
me trouxe de volta àquelas cidadezinhas do interior, onde as coisas acontecem por trás do muro,
devagar e sempre: prefeitos tarados, vigários vigaristas, don Juans
donzelos, doutores doentes.
Tudo sem muito mistério. Numa linguagem saborosa e sonora
de acompanhar, a contar pelos
nomes dos personagens: Abilatrício Teles, Cacimbilda Saquarema,
Finfilóquio Tupinambá etc. O que
me lembrou leitura recente que
fiz da novela "Vitrola dos Ausentes" (Ateliê Editorial), em que o
autor gaúcho Paulo Ribeiro constrói toda a narrativa via estrambóticos nomes próprios e num clima
de poesia e graça únicas.
Eta danado! Dizendo assim até
parece que Carvalho escreveu um
livro cândido, complacente. Longe disso. Lembra, repito, a folia
amarela de personagens como o
João Grilo, do "Auto da Compadecida". Tem o humor corrosivo
do Dalton Trevisan, por exemplo.
Vale ressaltar, inclusive, que cada conto curto deste "Ninho de
Mafagafes" tem um título que é
um microconto à parte, como
"Transferência para o Céu Só com
Ordem Superior".
Livro para ler num fôlego só,
creio. E sem errar.
Marcelino Freire é escritor. Autor, entre
outros, de "BaléRalé" (Ateliê Editorial).
Um Ninho de Mafagafes Cheio de Mafagafinhos
Autor: José Cândido de Carvalho
Editora: Rocco
Quanto: R$ 22,50 (145 págs.)
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