São Paulo, sábado, 05 de fevereiro de 2005

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"MÁRIO FAUSTINO - UMA BIOGRAFIA"

Autora tende à mitificação do poeta

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Por que biografia em vez de estudo crítico?" Essa pergunta, que abre o prefácio de Benedito Nunes a "Mário Faustino -°Uma Biografia", de Lilia Silvestre Chaves, reaparece com freqüência ao longo do livro. Apesar de, em seguida, buscar justificar a opção da autora de mesclar as duas possibilidades, o fato é que uma proposta menos ambiciosa talvez tivesse sido mais adequada.
Do lado interpretativo, Chaves tende para uma espécie de mitificação, procurando em sua obra indícios proféticos de sua vida e de sua precoce morte, num acidente de avião, em 1962. Do lado informativo, às vezes não se preocupa com o caráter investigativo.
É o que ocorre, por exemplo, quando fala da família. Em um desses momentos, diz: "O destino dos outros irmãos nos é desconhecido, desapareceram da trajetória de Mário Faustino desde muito cedo". Em outro, acrescenta: "Maria Júlia (...) teria vendido tudo e depois desaparecido. Evaporou-se na vida como aconteceu, na morte, com o irmão". Seria mesmo impossível encontrar algumas dessas pessoas?
A principal fonte da autora é o arquivo de Nunes, de quem Faustino foi grande amigo e que guarda boa parte de sua documentação. São cartas e papéis até então inéditos de onde provém a força maior do livro e é a partir deles que o texto chega a seus pontos altos: a reconstrução da vida do poeta no Rio no período em que cuidava da página "Poesia-Experiência" no "Jornal do Brasil" e a sua estada em Nova York em 1960, trabalhando na ONU, escrevendo e convivendo com seu provável grande amor, Oswaldo.
É preciso admitir que a tarefa da autora não era fácil. Como conciliar o "elogio" tão característico à escrita de histórias de vida com a postura crítica sempre forte e combativa do protagonista escolhido? Um dos aspectos que a obra reitera, já obviamente perceptível na produção madura de Faustino, é que ele dificilmente fazia concessões e não tinha pudor em apontar defeitos -não sem cometer suas injustiças (ver, por exemplo, as restrições a Drummond em "A Poesia "Concreta" e o Momento Poético Brasileiro", em "De Anchieta aos Concretos").
Isso leva à pergunta: o que ele acharia deste livro? Provavelmente ficaria envaidecido -a vaidade, aliás, é um dos traços de sua personalidade que a biografia delineia bem. Mas não é implausível supor que o poeta, o crítico e, principalmente, o jornalista Mário Faustino sugerisse um bom corte de várias páginas.


Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (editora Globo)

Mário Faustino - Uma Biografia
  
Autora: Lilia Silvestre Chaves
Editora: Secretaria de Cultura do Pará (só pelo tel. 0/xx/91/219-1218)
Quanto: R$ 40 (mais frete); 398 págs.


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