São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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CRÍTICA

"BBB6", ou a falta que faz a literatura

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

É a esta altura que os "Big Brother" costumam começar a pegar -mas, por ora, não há sinais de que isso possa chegar a acontecer nesta edição. Há quase um mês no ar, com três participantes já eliminados e à beira da quarto paredão, o programa parece estar fazendo água.
Não por falta de tentativa, algumas, dizem por aí, incentivadas pela produção do programa. Até agora, o "reality show" já teve dois namoros -protagonizados pelo mesmo bonitão- e dois "rompimentos", várias bebedeiras, acompanhadas do habitual descontrole afetivo-sexual decorrente do excesso de álcool, muita nudez física e muita mesquinharia, burrice, mediocridade, estupidez desnudadas diante das câmeras.
Os personagens parecem um pot-pourri de outras edições: entre os 14 deste ano, detectam-se com mais ou menos facilidade tipos que já estiveram naquele microcosmo. Qualquer um poderia, em tese, embarcar nas convenções que estão em jogo -bem contra o mal, relações intensas nascidas da adversidade, o pobre que vira rico como que por encanto, o espertalhão que faz todos de bobos e se dá bem, a pérfida criadora de cizânia.
Ou seja, os elementos todos estão lá, mas o roteiro empaca. Não vai. Pelo menos por enquanto, ainda não foi.
Embora todos os participantes estejam perfeitamente familiarizados com o programa e sua história (no site da Globo.com dedicado ao programa, entre os tópicos que fazem o perfil dos participantes há o "BBB favorito", ou seja, o participante-modelo das edições anteriores), eles hesitam.
O sucesso de um BBB, a julgar pelos que precederam esse sexto, depende muito da capacidade de seus participantes engendrarem uma narrativa coletiva. Chama-se "reality show", a coisa se apresenta em forma de um jogo com um prêmio gordo ao final, mas a capacidade de encantar -e atrair muita audiência- reside em um lugar muito diferente tanto da "realidade" quanto da competição. Claro que ambas têm papel muito importante na construção ficcional, mas a história que se pretende contar nos BBBs, quando existe, vai além disso.
Na maioria das vezes, alguém puxa para si o papel de "autor" dessa narrativa, em torno do qual se organizam os outros "personagens".
O "autor" emerge de uma dupla condição: a personalidade com algum relevo e um repertório ficcional, mínimo que seja, que permite tecer os fios da trama.
Desta vez, não parece haver nenhum autor entre os 14 que iniciaram. O monge é falso, dos pés à cabeça. Assim como a psicóloga, embaraçada por demais em suas platitudes. Os pobres simpáticos são pobres e simpáticos, mas já longe demais do realismo "genuíno".
O resto é gente sem história, sem memória, sem dimensão alguma para além daquelas conferidas pela malhação.


@ - biabramo.tv@uol.com.br

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