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CRÍTICA
"JK" pede mudança de ares
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Já se passaram mais de 50
anos, em menos de cinco semanas, mas a sensação ainda é de
que aconteceu pouca coisa em
"JK". José Wilker substituiu Wagner Moura no papel de Juscelino,
e uma Marília Pêra cheia de tremeliques vocais assume o posto
de dona Sarah no lugar de Debora
Falabella. O novo casal continua a
representar cenas e mais cenas de
afeto e compreensão, ao som do
tango de sempre. Licurgo, o furibundo coronel-lobisomem vivido
por Luís Melo, já morreu, e um
Carlos Lacerda cadavérico (José
de Abreu), sem o poder de sedução que tinha o personagem real,
ocupa a função de vilão da vez.
A segunda metade da década de
50 foi um dos períodos mais tensos da história republicana. Quem
sabe a partir de agora as emoções
políticas vençam a pasmaceira
doméstica que caracteriza a minissérie. Embora a atuação de JK
como prefeito e governador se tenha caracterizado pelo dinamismo administrativo, do ponto de
vista dramático não havia muito o
que contar até agora. A minissérie
deu a impressão de passar pela
política como quem anda sobre
brasas: Vargas, a UDN, o PTB
aparecem meio por ouvir dizer,
como ecos ouvidos entre a sala de
estar e o quarto de dormir.
Os focos de interesse da minissérie se deslocaram para aquilo
que pertence à rotina do gênero:
cenas de felicidade e miséria conjugal. Verdade que, com isso, ilumina-se um ponto que não pode
faltar nas análises do período: por
volta dos anos 50, o Brasil não
apenas se industrializava e urbanizava, mas também conhecia um
processo de modernização dos
costumes, liberando-se aos poucos do moralismo católico.
Uma jovem puritana de direita
(Bety Gofman) faz discursos a favor de Lacerda, na mesma pensão
onde a vedete Dora Amar (Débora Bloch) celebra a aventura de viver. O poeta Augusto Frederico
Schmidt (Antonio Calloni) declama versos apaixonados para uma
mulher fria (Alessandra Negrini).
Entre os pólos do puritanismo e
da vida noturna, das indiferenças
de alcova e dos ardores insatisfeitos, JK e Sarah representam a felicidade matrimonial a que toda
novela deve tender. Os personagens ficam tanto tempo entre
quatro paredes que vão se beneficiar de uma mudança de ares.
Brasília não seria má idéia.
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