São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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CRÍTICA

"JK" pede mudança de ares

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Já se passaram mais de 50 anos, em menos de cinco semanas, mas a sensação ainda é de que aconteceu pouca coisa em "JK". José Wilker substituiu Wagner Moura no papel de Juscelino, e uma Marília Pêra cheia de tremeliques vocais assume o posto de dona Sarah no lugar de Debora Falabella. O novo casal continua a representar cenas e mais cenas de afeto e compreensão, ao som do tango de sempre. Licurgo, o furibundo coronel-lobisomem vivido por Luís Melo, já morreu, e um Carlos Lacerda cadavérico (José de Abreu), sem o poder de sedução que tinha o personagem real, ocupa a função de vilão da vez.
A segunda metade da década de 50 foi um dos períodos mais tensos da história republicana. Quem sabe a partir de agora as emoções políticas vençam a pasmaceira doméstica que caracteriza a minissérie. Embora a atuação de JK como prefeito e governador se tenha caracterizado pelo dinamismo administrativo, do ponto de vista dramático não havia muito o que contar até agora. A minissérie deu a impressão de passar pela política como quem anda sobre brasas: Vargas, a UDN, o PTB aparecem meio por ouvir dizer, como ecos ouvidos entre a sala de estar e o quarto de dormir.
Os focos de interesse da minissérie se deslocaram para aquilo que pertence à rotina do gênero: cenas de felicidade e miséria conjugal. Verdade que, com isso, ilumina-se um ponto que não pode faltar nas análises do período: por volta dos anos 50, o Brasil não apenas se industrializava e urbanizava, mas também conhecia um processo de modernização dos costumes, liberando-se aos poucos do moralismo católico.
Uma jovem puritana de direita (Bety Gofman) faz discursos a favor de Lacerda, na mesma pensão onde a vedete Dora Amar (Débora Bloch) celebra a aventura de viver. O poeta Augusto Frederico Schmidt (Antonio Calloni) declama versos apaixonados para uma mulher fria (Alessandra Negrini). Entre os pólos do puritanismo e da vida noturna, das indiferenças de alcova e dos ardores insatisfeitos, JK e Sarah representam a felicidade matrimonial a que toda novela deve tender. Os personagens ficam tanto tempo entre quatro paredes que vão se beneficiar de uma mudança de ares. Brasília não seria má idéia.


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