São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

VANGUARDA PAULISTANA

Grupo se reúne para comemorar os 30 anos de formação com três shows no Sesc Pompéia

"Não-canções" do Rumo ganham reedição

DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos baluartes da vanguarda musical paulistana da virada dos anos 70 para os 80, o Rumo está temporariamente reunido. A comemoração dos 30 anos de formação do grupo acontecerá entre os próximos dias 19 e 21, em três shows no Sesc Pompéia. Mas a temporada de revisão já começou, com a reedição em CD de sua obra discográfica completa.
O Rumo era exemplar do que se apelidou vanguarda paulistana por vários motivos. Formado em 1974, não empolgou ninguém na indústria fonográfica -demorou sete anos para ser gravado em disco, e o fez de modo independente.
Embora não se caracterizasse um movimento, estava sintonizado com o imaginário dos ideólogos da tal vanguarda, Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. A voz de Ná Ozzetti aproximava o canto do Rumo da identidade das agudas vocalistas de Arrigo e Itamar.
Às vezes também se rendia a um tipo de humor afinado com o do Premeditando o Breque, que pressentia a chegada da fatia mais pop da geração roqueira dos anos 80 -nesses momentos, era o irmão mais velho (e rebelde, anticomercial) da Blitz.
Propunha atualizar o tropicalismo à moda paulistana, revendo o cancioneiro do passado e tentando criar uma nova metodologia sonora. Luiz Tatit, acadêmico e pensador de música, sublinhava a presença intelectual do Rumo.
Seguindo em ziguezague os passos da tropicália, o grupo estreou em 81 com dois discos simultâneos. Um era de produção autoral inédita do grande grupo de dez artistas, onde estavam também Paulo Tatit, Hélio Ziskind, Zecarlos Ribeiro e o também fotógrafo Gal Oppido, entre outros.
O outro, "Rumo aos Antigos", relia de modo muito particular algumas das melhores entre as criações fundadoras de compositores como Noel Rosa, Lamartine Babo, Sinhô e poucos outros.
"Diletantismo" (83) e "Caprichoso" (85) aprimoraram e deram acabamento ao projeto -em não muitos anos mais ele estaria dissolvido, consciente talvez de que possuía data de validade.
Alargava-se o ideário tropicalista rumo ao passado (Rumo era samba antigo) e ao futuro (era também dissonância, canto-fala, um quase pré-hip hop feito por universitários de classe média).
Intelectualizado, Rumo era difícil de ouvir. Criou uma linguagem musical que era quase sempre fundada na fala cotidiana -muitas de suas criações se faziam assim não-canções, anticanções.
Era um corte até ideológico, mas aproximava o Rumo das maiores contradições que sempre habitaram a cidade de São Paulo. Quando "canto-falavam", Luiz Tatit e Ná Ozzetti não raro pareciam estar choramingando, resmungando. Somando a isso a incorporação sempre complicada da música paulistana ao mercado fonográfico nacional, o resultado era a cara de São Paulo: somatória de queixas, isolamento, aparente afetação de superioridade.
Eram os modos de defesa da trupe paulistana, que por baixo disso esbanjava tino musical, melodias que poderiam soar pegajosas, apreço pela musicalidade fácil e direta do samba antigo.
Não à toa, o Rumo incorporou a seu repertório o disco "Quero Passear" (88), em que destinava aquelas dificuldades todas ao público infantil. Surpresa: deu certo, tanto que esse era o único disco que permanecia em catálogo em CD, pelo selo Palavra Cantada.
Mais que arqueologia de época, a reedição da história do Rumo se presta a fonte de reflexão sobre quais poderiam ser, hoje e amanhã, os novos rumos dos velhos fetiches por pop e/ou vanguarda.
O Rumo parece ter passado de leve por essa história. Perdeu comercialmente das bandas de rock, quase sempre propositalmente desleixadas. Restou desconhecido pela maioria dos brasileiros.
Mas o preciosismo vocal e a enorme qualidade musical de sua obra ficaram, sim, como testemunhos. Ficou também a aparente inadequação à possibilidade de sucesso comercial, mas isso hoje antes iguala que diferencia o Rumo da indústria como um todo.
Hoje São Paulo possui grupos como o Numismata, que não sabe fazer sucesso e faz rock sobre instrumentos de samba e interpretações vocais cuidadosamente construídas. Ser roqueiro não é mais sinônimo de cantar mal ou ficar rico em dez segundos. Quem ensinou isso foi, também, o Rumo. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

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