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LIVROS
LITERATURA
Autor tem reedições de peso, vai à Flip e à Bienal e "promete" nova obra
"Ano" Suassuna tem volta de marcos e promessa de novo
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE
"Ariano Suassuna?", pergunta o
taxista no aeroporto de Recife.
"Ah, que portento de homem."
"Olhe, rapaz, eu sei o segredo de
Ariano. Já analisei pela TV. Perceba que ele pode parecer que está
assim meio desligadão, até abobado. Mas, rapaz, é só cruzar as pernas que vira o sujeito mais inteligente do mundo."
Parece uma mentira de Chicó,
personagem falastrão que o autor
paraibano-pernambucano entalhou em "Auto da Compadecida".
"Não sei, só sei que foi assim", diria Chicó. E assim foi.
O mentiroso crônico e seu parceiro João Grilo são dois dos muitos motivos que levaram a Folha até Suassuna. Seu "Auto" foi recém-relançado pela Agir em edição de luxo, com ilustrações de
seu filho Manuel Dantas Suassuna. A peça completa em setembro
próximo, vejam só, meio século.
Outro "obelisco" de Ariano
também tem aniversário e relançamento. Não é pouco, não. Um
dos romances brasileiros mais
ambiciosos do século 20, "A Pedra do Reino" completou 35 anos
e ganhou a primeira reedição em
décadas, pela José Olympio, que
também lançou o seu antes restrito "Iniciação à Estética".
É um ano Ariano. O autor estará
na Bienal do Rio em maio e na badalada Festa Literária de Paraty,
em julho. Nas horas vagas esconde-se em sua casa de praia, onde
promete mais uma vez que vai
tentar, ao menos tentar, finalizar
seu inacabável novo romance.
Mas chega de conversa fiada.
Suassuna, 77, já serviu suco de cajá, o gravador está ligado e, mais
importante, suas pernas estão
cruzadas. Leia trechos abaixo.
Folha - Os agora reeditados "A
Pedra do Reino" e "O Auto da Compadecida" equilibram o cômico e o
trágico, uma marca do seu trabalho. O sr. já disse que o fundamento
da existência humana é trágico.
Por que é necessário o riso?
Ariano Suassuna - A alma humana divide-se no hemisfério rei e
no hemisfério palhaço. O que há
de trágico é ligado ao primeiro, e o
que há de cômico, ao segundo. O
hemisfério rei se complementa
com o hemisfério profeta. O hemisfério poeta, com o palhaço.
No meu entender o ser humano
tem duas saídas para enfrentar o
trágico da existência: o sonho e o
riso. Quaderna, o narrador de "A
Pedra do Reino", chama de "galope dos sonhos" e o "riso a cavalo".
Folha - Falta humor nas letras?
Suassuna - Sobretudo nos escritores. Acho-os tão incapazes de riso, tão sem a energia que havia em
Cervantes e não existe mais.
Folha - O sr. vai fazer alguma homenagem a Cervantes por conta
dos 400 anos de "Dom Quixote"?
Suassuna - Espero que neste livro que estou fazendo.
Folha - O famoso livro?
Suassuna - Nem me fale, nem
me fale. Mas este livro tem uma
presença muito grande de Cervantes. Não gosto de falar sobre o
livro, mas posso dizer que o narrador tem o sobrenome de Savedra [sobrenome de Cervantes].
Folha - Em "A Pedra" o sr. cita
quilos e quilos de autores. Por quê?
Suassuna - Acho que os escritores em geral fazem uma injustiça
muito grande uns com os outros.
Para mim é insegurança. Não
querem falar das influências que
receberam. Eu procuro agir do
modo contrário. Todos os escritores a quem devo eu homenageio.
Folha - Estamos diante de "Auto
da Compadecida", uma senhora de
50 anos, e de "A Pedra", que já tem
seus 35. Elas continuam presentes?
Suassuna - Sempre procurei escrever tudo de modo a expressar
intemporalmente o ser humano.
Agora o problema de se manter
ou não não me compete e não
compete a nenhum de nós. Acho
a coisa mais triste e ridícula do
mundo o autor que se considera
importante em vida. Nenhum de
nós pode saber isso. Só o tempo
determina se o que foi escrito fica.
Folha - No prefácio de "A Pedra",
Rachel de Queiroz dizia que muitos
iriam compará-lo erroneamente
com "Grande Sertão", de Guimarães Rosa. O que o sr. acha disso?
Suassuna - Olhe, eu gostava
muito dele, o admiro profundamente. Mas somos muito diferentes. Pretendo alcançar o que procuro mantendo a linguagem normal, conseguindo a atmosfera
mágica mais por meio das situações. A busca de uma linguagem
nova para mim está mais nisto
Folha - O sr. releu "A Pedra" para
para reeditá-lo?
Suassuna - Sim. Fazia muito
tempo que não o relia.
Folha - E...?
Suassuna - Sendo franco? Gostei.
Folha - O sr. diz que em "A Pedra"
procura retratar o que chama de
Brasil real. Qual avaliação o sr. faz
do Brasil real hoje?
Suassuna - Infelizmente não tenho boas notícias para lhe dar.
Tem de se sair pelo galope do sonho e pelo riso a cavalo se não a
gente desespera. A situação do
povo do Brasil real está cada vez
pior. Vão me achar reacionário,
mas com todos os seus defeitos o
regime patriarcal rural era menos
duro com o país real do que o capitalismo urbano burguês.
Folha - O sr. elogiou o governo
Lula quando ele completou seu primeiro ano. Como o sr. enxerga o
Brasil oficial de Lula hoje?
Suassuna - Querem cobrar de
Lula não ter resolvido a injustiça
brasileira, que é secular. Ele não a
resolverá em quatro anos. O tempo histórico não coincide, infelizmente, com o da nossa biografia.
Lula tem de se portar como um
misto de Quixote e Sancho, e ele
tem até um tipo físico de Sancho.
Folha - O Sancho do início ou do
final do "Dom Quixote", por que
ele começa o romance como ser racional, mas vai ficando louco?
Suassuna - Sancho é contaminado pelo sonho de Quixote. Lula
também. Se ele não fosse contaminado pelo sonho, não teria feito o que já fez. Quem toca o homem é o sonho, não o bom senso.
Leia a íntegra na Folha Online
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