São Paulo, sábado, 05 de março de 2005

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LIVROS

LITERATURA

Autor tem reedições de peso, vai à Flip e à Bienal e "promete" nova obra

"Ano" Suassuna tem volta de marcos e promessa de novo

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

"Ariano Suassuna?", pergunta o taxista no aeroporto de Recife. "Ah, que portento de homem."
"Olhe, rapaz, eu sei o segredo de Ariano. Já analisei pela TV. Perceba que ele pode parecer que está assim meio desligadão, até abobado. Mas, rapaz, é só cruzar as pernas que vira o sujeito mais inteligente do mundo."
Parece uma mentira de Chicó, personagem falastrão que o autor paraibano-pernambucano entalhou em "Auto da Compadecida". "Não sei, só sei que foi assim", diria Chicó. E assim foi.
O mentiroso crônico e seu parceiro João Grilo são dois dos muitos motivos que levaram a Folha até Suassuna. Seu "Auto" foi recém-relançado pela Agir em edição de luxo, com ilustrações de seu filho Manuel Dantas Suassuna. A peça completa em setembro próximo, vejam só, meio século.
Outro "obelisco" de Ariano também tem aniversário e relançamento. Não é pouco, não. Um dos romances brasileiros mais ambiciosos do século 20, "A Pedra do Reino" completou 35 anos e ganhou a primeira reedição em décadas, pela José Olympio, que também lançou o seu antes restrito "Iniciação à Estética".
É um ano Ariano. O autor estará na Bienal do Rio em maio e na badalada Festa Literária de Paraty, em julho. Nas horas vagas esconde-se em sua casa de praia, onde promete mais uma vez que vai tentar, ao menos tentar, finalizar seu inacabável novo romance.
Mas chega de conversa fiada. Suassuna, 77, já serviu suco de cajá, o gravador está ligado e, mais importante, suas pernas estão cruzadas. Leia trechos abaixo.

 

Folha - Os agora reeditados "A Pedra do Reino" e "O Auto da Compadecida" equilibram o cômico e o trágico, uma marca do seu trabalho. O sr. já disse que o fundamento da existência humana é trágico. Por que é necessário o riso?
Ariano Suassuna -
A alma humana divide-se no hemisfério rei e no hemisfério palhaço. O que há de trágico é ligado ao primeiro, e o que há de cômico, ao segundo. O hemisfério rei se complementa com o hemisfério profeta. O hemisfério poeta, com o palhaço.
No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso. Quaderna, o narrador de "A Pedra do Reino", chama de "galope dos sonhos" e o "riso a cavalo".

Folha - Falta humor nas letras?
Suassuna -
Sobretudo nos escritores. Acho-os tão incapazes de riso, tão sem a energia que havia em Cervantes e não existe mais.

Folha - O sr. vai fazer alguma homenagem a Cervantes por conta dos 400 anos de "Dom Quixote"?
Suassuna -
Espero que neste livro que estou fazendo.

Folha - O famoso livro?
Suassuna -
Nem me fale, nem me fale. Mas este livro tem uma presença muito grande de Cervantes. Não gosto de falar sobre o livro, mas posso dizer que o narrador tem o sobrenome de Savedra [sobrenome de Cervantes].

Folha - Em "A Pedra" o sr. cita quilos e quilos de autores. Por quê?
Suassuna -
Acho que os escritores em geral fazem uma injustiça muito grande uns com os outros. Para mim é insegurança. Não querem falar das influências que receberam. Eu procuro agir do modo contrário. Todos os escritores a quem devo eu homenageio.

Folha - Estamos diante de "Auto da Compadecida", uma senhora de 50 anos, e de "A Pedra", que já tem seus 35. Elas continuam presentes?
Suassuna -
Sempre procurei escrever tudo de modo a expressar intemporalmente o ser humano. Agora o problema de se manter ou não não me compete e não compete a nenhum de nós. Acho a coisa mais triste e ridícula do mundo o autor que se considera importante em vida. Nenhum de nós pode saber isso. Só o tempo determina se o que foi escrito fica.

Folha - No prefácio de "A Pedra", Rachel de Queiroz dizia que muitos iriam compará-lo erroneamente com "Grande Sertão", de Guimarães Rosa. O que o sr. acha disso?
Suassuna -
Olhe, eu gostava muito dele, o admiro profundamente. Mas somos muito diferentes. Pretendo alcançar o que procuro mantendo a linguagem normal, conseguindo a atmosfera mágica mais por meio das situações. A busca de uma linguagem nova para mim está mais nisto

Folha - O sr. releu "A Pedra" para para reeditá-lo?
Suassuna -
Sim. Fazia muito tempo que não o relia.

Folha - E...?
Suassuna -
Sendo franco? Gostei.

Folha - O sr. diz que em "A Pedra" procura retratar o que chama de Brasil real. Qual avaliação o sr. faz do Brasil real hoje?
Suassuna -
Infelizmente não tenho boas notícias para lhe dar. Tem de se sair pelo galope do sonho e pelo riso a cavalo se não a gente desespera. A situação do povo do Brasil real está cada vez pior. Vão me achar reacionário, mas com todos os seus defeitos o regime patriarcal rural era menos duro com o país real do que o capitalismo urbano burguês.

Folha - O sr. elogiou o governo Lula quando ele completou seu primeiro ano. Como o sr. enxerga o Brasil oficial de Lula hoje?
Suassuna -
Querem cobrar de Lula não ter resolvido a injustiça brasileira, que é secular. Ele não a resolverá em quatro anos. O tempo histórico não coincide, infelizmente, com o da nossa biografia.
Lula tem de se portar como um misto de Quixote e Sancho, e ele tem até um tipo físico de Sancho.

Folha - O Sancho do início ou do final do "Dom Quixote", por que ele começa o romance como ser racional, mas vai ficando louco?
Suassuna -
Sancho é contaminado pelo sonho de Quixote. Lula também. Se ele não fosse contaminado pelo sonho, não teria feito o que já fez. Quem toca o homem é o sonho, não o bom senso.


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