Em álbum de gravações inéditas, músico se atira nos solos e mostra que era muito mais ousado do que Eric Clapton

EDGARD SCANDURRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu me lembro muito bem quando, em minha casa, chegou a notícia da morte do guitarrista Jimi Hendrix.
Minha mãe chorou, meu irmão ficou de luto, vestindo uma faixa preta em todas as suas camisas, e eu, com oito anos, senti a perda de uma pessoa que frequentemente visitava minha pequena vitrola, em que eu enfiava a orelha no pequeno alto-falante para ouvir, da melhor maneira, os solos e as composições que alguns anos depois me influenciaram.
E me dando aquela ponta de orgulho por ele ser o maior guitarrista de todos e por ser, como eu, canhoto. Anos depois, eu descubro que ele foi daqueles gênios que se deixavam explorar por pessoas inescrupulosas -inclusive por seu pai que, mesmo com seu filho mais famoso ainda vivo, motivava conversas e rumores sobre como seria dividido o seu riquíssimo espólio.
Tanto que em suas biografias é comum a sua vida ocupar metade dos livros, enquanto a outra metade é dedicada aos problemas entre familiares e donos de gravadoras por onde ele deixou obras muita vezes apenas para cumprir contratos exploradores.
Onde ele era obrigado, por força desses contratos, a dar praticamente de graça horas e horas de gravações que ainda hoje fazem a alegria de seus milhares de fãs, ainda órfãos daquele que foi e será o maior guitarrista de todos os tempos.
Neste "Valleys of Neptune", encontramos faixas como "Fire", que mostra a força do trio, em uma versão especial. O Mitch Mitchell está na mesma altura de Keith Moon (The Who) e John Bonham (Led Zeppelin): um baterista completo, que veio da escola de jazz. Isso é visto nessa versão explosiva de "Fire".
Já em "Sunshine of Your Love", em um "take" instrumental, ele dá uma "puxada de tapete" no Eric Clapton, do Cream, grupo que fez "Sunshine...". Hendrix se atirava nos solos, era muito mais ousado do que Clapton.
A versão de "Red House" aqui não é das minhas favoritas, mas mostra as origens do Hendrix, que trabalha muito bem as notas musicais, trabalhava bem com guitarra limpa, como é o caso também de "Stone Free", em que ele usa só a saturação do amplificador.
O disco expõe, em cada faixa, o artista, cantor, letrista, arranjador e revolucionário músico que em poucos anos mostrou que uma guitarra é capaz de gritar, até de falar, nas mãos desse homem, que hoje divide o espaço com Beethoven, Van Gogh e, quem sabe, com Jesus Cristo.