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ANÁLISE
Cantor foi o precursor da bossa nova
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
É triste constatar que um artista tão inventivo e essencial
para a modernização da música
popular brasileira, como
Johnny Alf, tenha recebido em
vida uma parcela de reconhecimento muito aquém do que sua
obra merece. Não que ele reclamasse. Da maneira mais nobre
e elegante, cultivou sua arte por
mais de 60 anos, se apresentando para plateias muitas vezes
reduzidas, mas conscientes de
que ouvi-lo era um privilégio.
Ninguém mais do que ele
merece o título de precursor da
bossa nova. Seu samba "Rapaz
de Bem", composto em 1953 e
gravado dois anos depois, é
uma prova indiscutível de originalidade. Muito do que veio a
se chamar de bossa nova, no final daquela década, foi antecipado por Alf nessa gravação: o
sofisticado encadeamento harmônico, os versos descontraídos, a maneira moderna de
cantar sem impostar a voz.
Com sua concepção inovadora, ele contribuiu ativamente
para fazer as cabeças dos futuros articuladores da bossa nova. Tom Jobim, Newton Mendonça e João Gilberto eram alguns dos amigos e admiradores
que frequentavam suas apresentações na boate Plaza, em
Copacabana, durante os anos
de 1953 e 1954. Outros, como
Roberto Menescal, Carlinhos
Lyra e Luís Carlos Vinhas, ainda menores de idade, tinham
que se esconder se algum policial entrasse na casa noturna.
Nada mais justo que, anos
depois, Johnny Alf fosse convidado por eles a participar dos
primeiros shows oficiais dos
bossa-novistas, que foram organizados em universidades do
Rio de Janeiro. Ao anunciá-lo,
Ronaldo Bôscoli reconhecia o
vanguardismo do mestre, dizendo que ele era "bossa nova
desde o dia em que nasceu".
Humilde, Alf não construía
mitos em suas entrevistas. Jamais escondeu que, além da básica formação erudita, o jazz teve um papel fundamental em
sua concepção musical. Gostava de ouvir jazzistas modernos,
como o pianista Lenny Tristano ou o saxofonista Lee Konitz,
mas seus modelos foram mesmo o pianista Nat King Cole e a
cantora Sarah Vaughan.
Sua paixão pelo cinema resultou em outras influências:
por meio dos musicais de
Hollywood entrou em contato
com as pérolas de mestres da
canção norte-americana, como
George Gershwin, Cole Porter
e Irving Berlin. Já no campo da
música brasileira, seu interesse
recaía sobre compositores que
buscavam algo mais elaborado,
como Custódio Mesquita ou
Garoto, também considerados
precursores da bossa.
Obviamente, no caso de um
compositor tão criativo, essa
refinada combinação de influências só serve de referência
para tentar entender em qual
contexto nasceram obras-primas como "Ilusão à Toa", "Céu
e Mar", "Olhos Negros" ou
"Fim de Semana em Eldorado".
Sem um toque definitivo de genialidade, elas não existiriam.
Hoje é difícil acreditar que
"Eu e a Brisa", a sublime canção
pela qual ele será sempre lembrado, tenha sido rejeitada nas
eliminatórias do Festival de
MPB da TV Record, em 1967.
Um caso irônico que mostra como o original Johnny Alf foi um
criador à frente de seu tempo.
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