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MARCELO COELHO
Escândalos e CPIs se tornaram fatos naturais
Os escândalos na Prefeitura de
São Paulo estão no auge, ou melhor, parecem até localizar-se em
algum ponto além do auge; mas
minha atenção nesta semana já
se volta para as poucas e boas que
vêm do Estado do Rio de Janeiro.
É a vez do governador Anthony
Garotinho, mimado por algum
tempo como esperança oposicionista e liderança nova no quadro
político nacional, tornar-se alvo
de suspeitas e de denúncias.
Assim, o leitor de "Veja" é informado a respeito de uma tal "turma do chuvisco", que na "IstoÉ"
ganha o nome de "turma da maçaneta", o que não é o mesmo que
"banda podre", que parece ter a
ver com o "Grupo Astra"... Garotinho já passou da fase das promessas para a das explicações.
"Empresas privatizadas no
Rio", diz "Veja", "são fiscalizadas
por Ranulfo Vidigal, cassado por
corrupção quando era prefeito em
São João da Barra". O chefe do
Gabinete Civil e o secretário da
Justiça do Estado foram advogados de Ranulfo; o escritório de advocacia deles "defende clientes
que devem ao Estado", continua a
revista.
Já a Companhia Estadual de
Habitação é dirigida por Eduardo
Cunha, que foi presidente da Telerj por indicação de PC Farias e
hoje milita no PPB.
Licitações para obras de moradia popular foram vencidas por
uma mesma empresa, a Grande
Piso, de Bocaiúva do Sul, no Paraná, de propriedade de Roberto
Sass, egresso do collorismo: "Época" e "IstoÉ" dão os detalhes do
caso.
Orquestração da imprensa?
Motivação política? E ninguém
sabia dos precedentes dessa turma? Em todo caso, Garotinho já
aumentou as verbas de publicidade em seu governo. Passaram de
R$ 1,32 milhão para R$ 15,5 milhões.
Deixemos, entretanto, essas minúcias de chuviscos e milhões, esperando apenas que sejam esclarecidas segundo o curso natural
das coisas desse tipo: CPIs, quebras de sigilo bancário, fitas de
conversa telefônica etc.
O que me preocupa é exatamente isto: escândalos e CPIs se tornaram fatos naturais. O governo de
qualquer país, Estado ou município tem sua banda podre; o mundo se transformou numa grande
Dinamarca, mas só com o que havia de ruim naquele reino.
Claro que reclamar contra a
corrupção em geral não constitui
novidade, e é mesmo ridículo considerar que "nunca houve tanta
corrupção como nos dias de hoje".
O que talvez seja novo, na profusão de escândalos que se sucedem de Paris ao Tremembé, da
Baviera a Sepetiba, é o fato de
constituírem uma espécie de círculo vicioso, dominado duplamente pela lógica do espetáculo.
Funciona mais ou menos assim:
campanhas eleitorais custam cada vez mais caro. Um político pode roubar para que sua filha desfrute de uma vida confortável em
Nova York; vá lá. Mas precisa
roubar para se lançar candidato a
outro cargo. Surgem denúncias. E
ele precisará roubar mais ainda
para que sua propaganda anule
os efeitos do escândalo sobre a
opinião pública.
Deriva daí uma propaganda
eleitoral cada vez mais diluída na
manipulação da imagem, cada
vez mais fotogênica e sentimental,
cada vez mais "despolitizada".
A impressão grosseira de que os
políticos "são todos iguais" e de
que no fim "todos roubam" só pode se fortalecer. "Todos" roubam
para que, com a maquiagem publicitária, fiquem "todos" iguais.
Surge, talvez, algo como uma
nova crise de legitimidade. O sistema político tradicional passava
por turbulências, digamos, quando não conseguia atender às demandas sociais; quando o discurso oficial não conseguia criar consenso; quando faltavam condições
de "governabilidade"; quando as
divisões ideológicas e partidárias
levavam a um impasse decisório...
Bem ou mal, nessas situações havia interesses em conflito, e algo
como representantes desses interesses na esfera política.
O problema, hoje, é que a esfera
política não corresponde a interesses explicitáveis; quase todo
candidato ou governante torna-se
apenas advogado de si mesmo, jurando inocência.
O descrédito que isso acarreta
não se traduz em revolta e propostas de transformação, mas sim
numa indiferença com tintas de
oportunismo: "Melhor eu me virar sozinho", diz o cidadão, que já
não é cidadão, está na economia
informal, ou é microempresa, ou é
site na Internet.
E, assim como na Internet um
endereço qualquer pode valer milhões sem que tenha até agora dado lucro, o valor da imagem ou de
uma marca se torna superior ao
que o político representa de fato.
As denúncias, por mais graves e
verdadeiras que sejam, terminam
funcionando como os rumores na
Bolsa: fulano desce três pontos, sicrano sobe 15...
Tristemente devo observar que,
embora necessário, o papel dos
meios de comunicação em investigar bandalheiras corre também
um risco.
É como se nós, jornalistas, soubéssemos que, esclarecido o escândalo A, não faltará um escândalo
B em seguida. O concorrente descobriu o caso C? Mas quem viu o
caso D fomos nós... A agitação toda vai ficando semelhante à imobilidade, e toda novidade, apesar
de chocante, traz o gosto do já sabido.
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