São Paulo, quarta-feira, 05 de abril de 2000


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MARCELO COELHO
Escândalos e CPIs se tornaram fatos naturais

Os escândalos na Prefeitura de São Paulo estão no auge, ou melhor, parecem até localizar-se em algum ponto além do auge; mas minha atenção nesta semana já se volta para as poucas e boas que vêm do Estado do Rio de Janeiro.
É a vez do governador Anthony Garotinho, mimado por algum tempo como esperança oposicionista e liderança nova no quadro político nacional, tornar-se alvo de suspeitas e de denúncias.
Assim, o leitor de "Veja" é informado a respeito de uma tal "turma do chuvisco", que na "IstoÉ" ganha o nome de "turma da maçaneta", o que não é o mesmo que "banda podre", que parece ter a ver com o "Grupo Astra"... Garotinho já passou da fase das promessas para a das explicações.
"Empresas privatizadas no Rio", diz "Veja", "são fiscalizadas por Ranulfo Vidigal, cassado por corrupção quando era prefeito em São João da Barra". O chefe do Gabinete Civil e o secretário da Justiça do Estado foram advogados de Ranulfo; o escritório de advocacia deles "defende clientes que devem ao Estado", continua a revista.
Já a Companhia Estadual de Habitação é dirigida por Eduardo Cunha, que foi presidente da Telerj por indicação de PC Farias e hoje milita no PPB.
Licitações para obras de moradia popular foram vencidas por uma mesma empresa, a Grande Piso, de Bocaiúva do Sul, no Paraná, de propriedade de Roberto Sass, egresso do collorismo: "Época" e "IstoÉ" dão os detalhes do caso.
Orquestração da imprensa? Motivação política? E ninguém sabia dos precedentes dessa turma? Em todo caso, Garotinho já aumentou as verbas de publicidade em seu governo. Passaram de R$ 1,32 milhão para R$ 15,5 milhões.
Deixemos, entretanto, essas minúcias de chuviscos e milhões, esperando apenas que sejam esclarecidas segundo o curso natural das coisas desse tipo: CPIs, quebras de sigilo bancário, fitas de conversa telefônica etc.
O que me preocupa é exatamente isto: escândalos e CPIs se tornaram fatos naturais. O governo de qualquer país, Estado ou município tem sua banda podre; o mundo se transformou numa grande Dinamarca, mas só com o que havia de ruim naquele reino.
Claro que reclamar contra a corrupção em geral não constitui novidade, e é mesmo ridículo considerar que "nunca houve tanta corrupção como nos dias de hoje".
O que talvez seja novo, na profusão de escândalos que se sucedem de Paris ao Tremembé, da Baviera a Sepetiba, é o fato de constituírem uma espécie de círculo vicioso, dominado duplamente pela lógica do espetáculo.
Funciona mais ou menos assim: campanhas eleitorais custam cada vez mais caro. Um político pode roubar para que sua filha desfrute de uma vida confortável em Nova York; vá lá. Mas precisa roubar para se lançar candidato a outro cargo. Surgem denúncias. E ele precisará roubar mais ainda para que sua propaganda anule os efeitos do escândalo sobre a opinião pública.
Deriva daí uma propaganda eleitoral cada vez mais diluída na manipulação da imagem, cada vez mais fotogênica e sentimental, cada vez mais "despolitizada".
A impressão grosseira de que os políticos "são todos iguais" e de que no fim "todos roubam" só pode se fortalecer. "Todos" roubam para que, com a maquiagem publicitária, fiquem "todos" iguais.
Surge, talvez, algo como uma nova crise de legitimidade. O sistema político tradicional passava por turbulências, digamos, quando não conseguia atender às demandas sociais; quando o discurso oficial não conseguia criar consenso; quando faltavam condições de "governabilidade"; quando as divisões ideológicas e partidárias levavam a um impasse decisório... Bem ou mal, nessas situações havia interesses em conflito, e algo como representantes desses interesses na esfera política.
O problema, hoje, é que a esfera política não corresponde a interesses explicitáveis; quase todo candidato ou governante torna-se apenas advogado de si mesmo, jurando inocência.
O descrédito que isso acarreta não se traduz em revolta e propostas de transformação, mas sim numa indiferença com tintas de oportunismo: "Melhor eu me virar sozinho", diz o cidadão, que já não é cidadão, está na economia informal, ou é microempresa, ou é site na Internet.
E, assim como na Internet um endereço qualquer pode valer milhões sem que tenha até agora dado lucro, o valor da imagem ou de uma marca se torna superior ao que o político representa de fato. As denúncias, por mais graves e verdadeiras que sejam, terminam funcionando como os rumores na Bolsa: fulano desce três pontos, sicrano sobe 15...
Tristemente devo observar que, embora necessário, o papel dos meios de comunicação em investigar bandalheiras corre também um risco.
É como se nós, jornalistas, soubéssemos que, esclarecido o escândalo A, não faltará um escândalo B em seguida. O concorrente descobriu o caso C? Mas quem viu o caso D fomos nós... A agitação toda vai ficando semelhante à imobilidade, e toda novidade, apesar de chocante, traz o gosto do já sabido.


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