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LIVRO/LANÇAMENTO
ORIENTE-SE
"Não sei se sou um escritor sério que usa uma voz pop ou um autor pop em busca de temas sérios", diz japonês
Solidão guia a literatura de Murakami
Divulgação
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O japonês Haruki Murakami, autor de "Minha Querida Sputnik" |
DA REPORTAGEM LOCAL
Nada de sushi, tatame, ikebana
ou origami. "Minha Querida
Sputnik" (Objetiva), de Haruki
Murakami, 53, mostra mais uma
vez que é ele o autor com olho menos puxado das letras japonesas.
Leia a seguir entrevista na qual
ele fala sobre o romance -que
trata do amor de uma jovem escritora por uma mulher casada, 17
anos mais velha- e dá as pistas
de sua literatura. Leia trechos.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - "Minha Querida Sputnik"
reúne algumas das características
mais frequentemente apontadas
para a sua literatura: gosto pela solidão, algumas referências à cultura pop, um humor discreto, mas
constante, e o sexo desempenhando um papel importante na história. Quais desses elementos o sr.
enxerga neste romance e em sua
prosa, de modo geral?
Haruki Murakami - Os protagonistas das minhas histórias são
quase sempre essas pessoas que
estão vivendo mais ou menos fora
do eixo central da sociedade. Nesse sentido, vivem sim basicamente na solidão. Construir amizades
com outros não é uma de suas primeiras opções.
Por outro lado, como eu não
pretendo escrever uma história
desesperançada, o senso de humor necessariamente entra como
um dos meus elementos.
O sexo tem a função de uma
chave para abrir as portas aos corações mais trancados.
Nos tempos de hoje, muitas das
principais informações são metaforicamente direcionadas para
uma sofisticada rede de canais
chamada cultura pop.
Dessa forma, seus pontos podem ser verdadeiros. É importante frisar, porém, que esses elementos são só uma linha-mestra
do que escrevo, não os únicos
guias de meu esforço criador.
Folha - Em sua carreira literária o
sr. já escreveu sobre um elefante
que desaparece na frente de todos
e em "Sputnik" também faz desaparecer uma personagem. Este romance não é totalmente fantástico, mas esse elemento mágico parece central para ele. Quão importante é esse tipo de "ilusionismo"
para a sua obra?
Murakami - Eu não consigo me
interessar por escrever romances
realistas. O principal objetivo de
minha narrativa é transformar algumas imagens pouco convencionais em palavras. Imagens, em
geral, surgem da região mais profunda de nossa mente. Dividir a
existência dessas imagens com os
leitores é importante. E é uma forma de amaciar nossas solidões.
Folha - O sr. se considera um autor pop, como sempre lhe tacham?
Murakami - Eu não dou muita
importância à reflexão se sou um
escritor sério que usa uma voz
pop ou um autor pop em busca de
temas sérios. Isso foi, e sempre será, minha tendência geral, ter os
dois lados dentro de mim.
Quando eu era adolescente, por
exemplo, Raymond Chandler e
Dostoiévski eram ambos escritores perfeitos para mim. Ainda
acho isso. Na música, ia, e vou, de
Beach Boys a Bach.
Folha - O sr. parece dialogar muito mais com as referências ocidentais do que com Tanizaki, Kawabata e outros clássicos modernos japoneses. O que há de Japão em sua
literatura?
Murakami - Manuel Puig é um
dos meus autores prediletos. Alguns de seus livros se referem
muito à cultura pop americana.
Mas isso acontece espantosamente com características muito argentinas. O que tento fazer é o
mesmo. A reconstrução do cenário familiar por citações efetivamente estrangeiras. Só me interesso por escrever sobre japoneses vivendo no Japão, mas não
quero de modo algum fazê-lo em
um estilo "japanesco".
Folha - Como um autor de ficção,
o sr. já discutiu a guerra. Como um
ensaísta, o sr. entrou no mundo do
terrorismo. Que modelo o sr. escolheria para escrever sobre o ataque
americano ao Iraque?
Murakami - Na minha modesta
opinião é muito difícil exterminar
totalmente as raízes do terrorismo puramente com ações militares. As raízes podem ser cortadas,
mas não morrerão. Vão se deslocar ao profundo subterrâneo. Um
dia, em outro lugar, elas voltarão,
de modo ainda mais perigoso. Ou
seja, não acredito que esta guerra
possa trazer qualquer melhoria.
MINHA QUERIDA SPUTNIK. Autor:
Haruki Murakami. Editora: Objetiva.
Tradução (do inglês): Ana Luiza Dantas
Borges. Quanto: R$ 34,90 (236 págs.)
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