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Ganhador do Nobel, Kenzaburo Oe quer encontrar "Japão periférico"
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir entrevista com Kenzaburo Oe, Nobel de 1994.
(CEM)
Folha - Em sua conferência quando ganhou o Prêmio Nobel, em
1994, o sr. usou a palavra guerra 20
vezes. Em uma delas, citou o escandinavo Kristoffer Nyrop, que falava
que "os que não protestam contra
a guerra são cúmplices da guerra".
Como o sr. se posiciona em relação
aos ataques no Iraque?
Kenzaburo Oe - Eu concordo
com Nyrop totalmente e hoje poderia adicionar que os que não
protestam contra a guerra são
também "co-vítimas" da guerra.
Hoje, a globalização da superviolência dos Estados Unidos paira
sobre todos nós.
Quando pensamos sobre a situação da península coreana, por
exemplo, nós devemos esperar
que seremos os cúmplices e co-vítimas de uma nova guerra.
Folha - Ainda na conferência do
Nobel o sr. usou a idéia da ambiguidade para expressar como via o Japão naquele momento. O país é
ainda ambíguo hoje? Por quê?
Oe - O Japão é mais ambíguo hoje. Os cidadãos japoneses são contrários à guerra do presidente
Bush e os japoneses têm em sua
Constituição um decreto que nos
põe para sempre fora das guerras.
Mas o primeiro-ministro Junichiro Koizumi apoiou essa invasão
assim que foi possível. Logo ele
que, no ano passado, em visita ao
santuário de Yasukuni [onde são
cultuados mortos em combates",
declarou que guerras devem ser
desprezadas. E os japoneses, com
tudo isso, não deixarão de dar seu
apoio permanente ao Partido Liberal Democrático [o do premiê".
Folha - Há algo dessa ambiguidade em sua literatura? Repito aqui
uma pergunta que o sr. fez a si mesmo em artigo: "Que tipo de identidade devo buscar como japonês?".
Oe - Eu continuo a procurar a
identidade de um Japão periférico, não a de um Japão central. Tenho escrito sobre o japonês que
encontra sua identidade na tradição periférica da cultura nipônica.
Folha - Qual a opinião do sr. sobre
a literatura japonesa contemporânea? Como o sr. explicaria um fenômeno como Haruki Murakami?
Oe - Murakami criou um estilo
muito lúcido de escrita e trata da
vida urbana dos jovens japoneses
de hoje com grande destreza. Sua
filosofia é muito bem aceita por
jovens não apenas daqui.
Eu não acredito que tenha muitos leitores, seja no Japão, seja no
exterior, mas espero ter um pequeno número de leitores verdadeiros. É para eles que escrevo,
para um leitorado pouco ligado a
Murakami. Meu estilo não é para
muitos leitores, mas eu elaborei
esse estilo por 40 anos.
Folha - No final de "Uma Questão
Pessoal", o personagem Bird vai
procurar a palavra "paciência" em
um dicionário, em cuja capa estava
escrito "esperança". Com qual desses termos o sr. se identifica mais?
Oe - Eu prezo muito a paciência.
Por meio dela, eu tenho vivido a
vida de um escritor. Na avançada
idade de minha existência, porém, eu frequentemente penso na
esperança. E é por meio da paciência que procuro encontrá-la.
Folha - Quando o sr. fala sobre o
seu filho, Hikari, cuja deficiência o
motivou a escrever "Uma Questão...", e quando salienta o poder
de cura que a música teve para ele,
o sr. não raro fala da importância
da literatura como forma de tomar
conta de si mesmo. A boa literatura
cura também os leitores?
Oe - Acho que os aspectos mais
importantes da literatura são justamente o de tomar conta de si e
dos outros. Não sei se ela chega a
ter poder de cura para os leitores.
Mas a recuperação de cada um é
objetivo central da literatura.
Folha - O sr. declarou há muitos
anos que o fundamental de seu estilo "sai de questões pessoais e depois faz a ligação com a sociedade,
o Estado e o mundo". Quão pessoal
é a literatura do sr. hoje?
Oe - Mais do que mundo, o objetivo final é o cosmos. Tento ligar
minhas questões pessoais ao cosmos. O ponto de partida, porém,
são sempre eu e minhas divagações particulares. Na minha opinião, a literatura deve ser muito
pessoal, acima de tudo pessoal.
Folha - O Brasil tem uma comunidade japonesa muito forte. Comenta-se por aqui que São Paulo é a
maior cidade japonesa fora do Japão. Até que ponto existe por aí a
percepção de que a cultura japonesa é muito presente no Brasil?
Oe - Fico muito contente em saber dessa presença de nossa cultura por aí. Não imagino que muitos
japoneses saibam algo sobre isso.
Espero que essas culturas possam
no futuro ter um intercâmbio
mais vívido.
UMA QUESTÃO PESSOAL. Autor:
Kenzaburo Oe. Editora: Companhia das
Letras. Tradução (do japonês): Shintaro
Hayashi. Quanto: R$ 33 (224 págs.)
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