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São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

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"ADORÁVEL COMUNISTA"

A antropologia do consumo baiano

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

É rico em informação este livro de Antônio Risério sobre o dúctil e simpático Fernando Sant'anna, o comunista baiano tio do compositor Tom Zé, não apenas por revelar a personalidade do biografado, mas pelas picadas e veredas abertas à compreensão da regionalidade nordestina e da historia do Brasil a partir de Canudos e de "Os Sertões".
O autor focaliza militantes do partidão em Salvador, cidade que já recebeu o engraçado epíteto de "capital soviética" dos trópicos. No marxismo made in Bahia, ao lado dos aspectos dramáticos, há outros pitorescos ligados à particularidade da cor local.
Na Bahia, o materialismo dialético freqüentará cabarés e puteiros, transará candomblés, dançará jazz e será ponta de lança de músicas norte-americanas.
Lá na Bahia é notória a esquizofrenia entre os intelectuais marxistas e o nacionalismo brasileiro advindo com a revolução de 30. Dir-se-ia que na Bahia depois de 1937, os marxistas eram menos comunistas do que anti-Vargas. Os marxistas em Salvador morriam mais de amores e admiração pelo 17 soviético do que pelo trenzinho caipira do Raul Bopp.
Intriga a tibieza do nacionalismo na Bahia marxista. O que aí pegou fundo é o realce antropológico dado ao afromestiço e ao sincretismo na cultura. A questão é saber se a base da cultura popular baiana é realmente africana. Em 1954, os marxistas e comunistas deixaram o Getúlio Vargas antiimperialista falando sozinho.
Getúlio Vargas, de acordo com os marxistas baianos, é considerado o grande líder burguês do Brasil moderno. Mas no que tange à "baianidade", tudo bem. Trata-se de um valor quase oficial. Isso ideologicamente vai dar na performática de ACM, o doge enlouquecido pela "baianidade", mas capacho dos imperialistas, conforme a análise de João Carlos Texeira Gomes, o biógrafo de Gregório de Mattos e de Glauber Rocha. Detalhe interessante é que, marxista baiano, Glauber Rocha chorou com o povo na praça da Sé o trágico 24 de agosto de 1954.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed. Senac), entre outros.

Adorável Comunista
     Autor: Antônio Risério Editora: Verbal Editora Quanto: R$ 39 (324 pgs.)



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