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São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

"OUTRA VEZ"

Diário abrange viagens de Che Guevara pela América Latina no período em que conheceu Fidel Castro

Retrato do revolucionário quando jovem

FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se Che Guevara (1928-1967) não tivesse feito medicina e, mais tarde, se tornado guerrilheiro e revolucionário, poderia ter seguido um terceiro rumo com o qual flertou: a literatura. Fosse assim, hoje poderíamos olhar seus diários de juventude como um "romance de formação".
A "primeira parte" teve edição brasileira recentemente lançada pela Sá (2001) -"De Moto pela América do Sul", que Walter Salles acaba de filmar. A ela segue-se "Outra Vez", que agora a Ediouro publica. No livro, que começa em 1953, na Bolívia, o viajante amplia sua rota até o México, onde selaria sua escolha: lá conheceria Fidel Castro, em 1956. Pouco depois do encontro, brevemente mencionado, acaba a "segunda parte".
Em "Outra Vez", Che depara com uma América Latina em ebulição política e, a cada passo, abandona o jovem médico que era; suas posições se radicalizam e tomam o lugar do humanismo menos partidário que predominava na viagem anterior.
Seu fascínio pelo passado também diminui: visita e comenta ruínas pré-hispânicas (e essa faceta de "explorador" é a que mais aparece no caderno de fotos que consta da edição), mas fica claro que o entusiasmo se volta sempre mais para o presente da América Latina -e, mais ainda, pelo futuro do continente.
Dois episódios fariam com que o autor passasse do posto de observador/narrador ao de protagonista. Primeiro, alista-se nas brigadas juvenis para lutar contra Honduras, que declarara guerra à Guatemala. Depois, aprendemos no apêndice (composto de cartas e de artigos escritos durante a viagem) sobre seu engajamento na tentativa frustrada, em 1956, de derrubar Fulgencio Batista do poder em Cuba -o que o levaria à prisão, com Castro e outros.
Faltam à edição, porém, notas que expliquem esse contexto, o que se agrava pelo fato de o volume -à diferença de "De Moto pela..."- não ter sido organizado como livro pelo próprio autor. A circunstância não traria prejuízo, se a edição fosse mais rigorosa. Mais notas, mapas mais detalhados, uma cronologia contribuiriam de forma decisiva para o entendimento do relato.
Com relação a vários trechos, o apêndice é mais elucidativo -uma vez que artigos e cartas previam receptores; o relato em si mais se assemelha a uma compilação de notas (sem datas, muitas vezes pouco coesa) do que a uma crônica. O que não significa que seja desprovido de bom humor, graça e até mesmo de críticas ao seu próprio estilo. É preciso dizer que parte das dificuldades por que passa o leitor se deve à supressão de trechos "excessivamente pessoais" pelo Arquivo Pessoal do Che, em Cuba.
Nada disso, entretanto, tira do livro o que tem de mais valioso: "Outra Vez" é um importante testemunho da forja dos ideais de Che. Se antes o autor era um aventureiro, aqui é alguém perseguindo um objetivo, que ainda não se lhe mostra tão claro.
No entanto talvez ele já intuísse, desde cedo, o lugar que teria na história. Não seria essa uma razão para ter nos diários companheiros tão constantes? Che escreveria esses registros até seus últimos dias, na selva boliviana. Mas são outros capítulos, que já não pertencem a seu "retrato do revolucionário quando jovem".


Outra Vez
Otra vez
   Autor: Ernesto Che Guevara Tradução: Joana Angélica D'Avila Melo Editora: Ediouro Quanto: R$ 29 (236 págs.)



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