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LIVRO/LANÇAMENTO
"OUTRA VEZ"
Diário abrange viagens de Che Guevara pela América Latina no período em que conheceu Fidel Castro
Retrato do revolucionário quando jovem
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se Che Guevara (1928-1967)
não tivesse feito medicina e,
mais tarde, se tornado guerrilheiro e revolucionário, poderia ter
seguido um terceiro rumo com o
qual flertou: a literatura. Fosse assim, hoje poderíamos olhar seus
diários de juventude como um
"romance de formação".
A "primeira parte" teve edição
brasileira recentemente lançada
pela Sá (2001) -"De Moto pela
América do Sul", que Walter Salles acaba de filmar. A ela segue-se
"Outra Vez", que agora a Ediouro
publica. No livro, que começa em
1953, na Bolívia, o viajante amplia
sua rota até o México, onde selaria
sua escolha: lá conheceria Fidel
Castro, em 1956. Pouco depois do
encontro, brevemente mencionado, acaba a "segunda parte".
Em "Outra Vez", Che depara
com uma América Latina em
ebulição política e, a cada passo,
abandona o jovem médico que
era; suas posições se radicalizam e
tomam o lugar do humanismo
menos partidário que predominava na viagem anterior.
Seu fascínio pelo passado também diminui: visita e comenta
ruínas pré-hispânicas (e essa faceta de "explorador" é a que mais
aparece no caderno de fotos que
consta da edição), mas fica claro
que o entusiasmo se volta sempre
mais para o presente da América
Latina -e, mais ainda, pelo futuro do continente.
Dois episódios fariam com que
o autor passasse do posto de observador/narrador ao de protagonista. Primeiro, alista-se nas brigadas juvenis para lutar contra
Honduras, que declarara guerra à
Guatemala. Depois, aprendemos
no apêndice (composto de cartas
e de artigos escritos durante a viagem) sobre seu engajamento na
tentativa frustrada, em 1956, de
derrubar Fulgencio Batista do poder em Cuba -o que o levaria à
prisão, com Castro e outros.
Faltam à edição, porém, notas
que expliquem esse contexto, o
que se agrava pelo fato de o volume -à diferença de "De Moto
pela..."- não ter sido organizado
como livro pelo próprio autor. A
circunstância não traria prejuízo,
se a edição fosse mais rigorosa.
Mais notas, mapas mais detalhados, uma cronologia contribuiriam de forma decisiva para o entendimento do relato.
Com relação a vários trechos, o
apêndice é mais elucidativo
-uma vez que artigos e cartas
previam receptores; o relato em si
mais se assemelha a uma compilação de notas (sem datas, muitas
vezes pouco coesa) do que a uma
crônica. O que não significa que
seja desprovido de bom humor,
graça e até mesmo de críticas ao
seu próprio estilo. É preciso dizer
que parte das dificuldades por
que passa o leitor se deve à supressão de trechos "excessivamente pessoais" pelo Arquivo
Pessoal do Che, em Cuba.
Nada disso, entretanto, tira do
livro o que tem de mais valioso:
"Outra Vez" é um importante testemunho da forja dos ideais de
Che. Se antes o autor era um aventureiro, aqui é alguém perseguindo um objetivo, que ainda não se
lhe mostra tão claro.
No entanto talvez ele já intuísse,
desde cedo, o lugar que teria na
história. Não seria essa uma razão
para ter nos diários companheiros tão constantes? Che escreveria
esses registros até seus últimos
dias, na selva boliviana. Mas são
outros capítulos, que já não pertencem a seu "retrato do revolucionário quando jovem".
Outra Vez
Otra vez
Autor: Ernesto Che Guevara
Tradução: Joana Angélica D'Avila Melo
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 29 (236 págs.)
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