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"JOHNNY VAI À GUERRA"
Dalton Trumbo narra desventuras de soldado americano que volta mutilado por bomba
Libelo pacifista conserva sua atualidade
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos mais poderosos romances antibélicos do século 20, "Johnny Vai à Guerra", de Dalton Trumbo (1905-1976), está
sendo relançado no Brasil em
meio ao primeiro grande conflito
militar do século 21.
Originalmente publicado dois
dias depois da invasão alemã da
Polônia, que deflagrou a Segunda
Guerra Mundial, "Johnny" não
foi muito notado pelo público nos
anos seguintes. A mobilização
contra a agressão nazista não dava espaço a libelos pacifistas.
Nas décadas de 60 e 70, quando
o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã e no sudeste asiático pareceu moralmente injustificável para grande parte do mundo, inclusive milhões de americanos, o livro de Trumbo passou de
"cult" a "best-seller". Foi nesse
período (em 1967) que ele saiu no
Brasil pela primeira vez (pela editora Civilização Brasileira). É uma
oportuna coincidência que volte
agora, quando os Estados Unidos
invadem o Iraque e há grande resistência internacional à ação.
Johnny é um soldado americano que foi para a Grande Guerra
(também conhecida como Primeira Guerra Mundial) cheio de
ardor patriótico, e voltou dela
horrorosamente mutilado após
ter sido atingido por uma bomba
numa trincheira da França: perdeu os braços, as pernas, a visão, a
audição, a fala, o olfato e praticamente todo o rosto. Mas não a capacidade de raciocinar e de se
lembrar do que viveu.
A Grande Guerra (na verdade
apenas européia com a participação dos Estados Unidos) foi, como Trumbo ressalta na introdução ao livro que escreveu em 1959,
a última ainda classificável como
"romântica", capaz de mobilizar
muitos sentimentos positivos na
população. Depois, ficou impossível idealizar a guerra como
evento circunscrito aos heróicos
militares que arriscavam a vida
pelos princípios nobres da pátria.
Na Grande Guerra, talvez pela
primeira vez na história, o número de vítimas fatais civis ultrapassou o de soldados. Morreram cerca de 9 milhões de combatentes e
12,5 milhões de não-combatentes.
Esse tipo de relação aumentou na
Segunda Guerra Mundial e nos
conflitos das décadas posteriores.
Estima-se que 200 milhões de pessoas tenham morrido devido a
guerras no século 20.
No século 21, apesar da tão alardeada precisão cirúrgica orgulhosamente apresentada pelos porta-vozes das Forças Armadas americanas, os "danos colaterais" continuam a fazer um enorme número de vítimas. O que torna
"Johnny" um trabalho literário
tão atual quanto há 30 ou 60 anos.
O livro tem estrutura simples,
enredo envolvente e mensagem
marcante. Johnny sonhava em ter
uma arma, combater o mal e cobrir-se de glória. Seu corpo desfigurado, mas ainda vivo, retorna
ao seu país coberto de medalhas.
Na mente desocupada de qualquer estímulo externo e para a
qual Trumbo transporta o leitor,
convivem as memórias, o desejo
de se comunicar com alguém (e
ele consegue fazê-lo com uma enfermeira) e um processo extensivo de avaliação sobre se valeu a
pena ter conseguido a tão sonhada arma e lutado.
Dalton Trumbo sofreu a perseguição do macartismo por suas
posições políticas. Sua história é
mais relevante do que nunca,
quando os EUA vivem ambiente
social perigosamente parecido
com o da década de 1950.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 50, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Johnny Vai à Guerra
Autor: Dalton Trumbo
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 32 (228 págs.)
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