UOL


São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

Texto Anterior | Índice

"JOHNNY VAI À GUERRA"

Dalton Trumbo narra desventuras de soldado americano que volta mutilado por bomba

Libelo pacifista conserva sua atualidade

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos mais poderosos romances antibélicos do século 20, "Johnny Vai à Guerra", de Dalton Trumbo (1905-1976), está sendo relançado no Brasil em meio ao primeiro grande conflito militar do século 21.
Originalmente publicado dois dias depois da invasão alemã da Polônia, que deflagrou a Segunda Guerra Mundial, "Johnny" não foi muito notado pelo público nos anos seguintes. A mobilização contra a agressão nazista não dava espaço a libelos pacifistas.
Nas décadas de 60 e 70, quando o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã e no sudeste asiático pareceu moralmente injustificável para grande parte do mundo, inclusive milhões de americanos, o livro de Trumbo passou de "cult" a "best-seller". Foi nesse período (em 1967) que ele saiu no Brasil pela primeira vez (pela editora Civilização Brasileira). É uma oportuna coincidência que volte agora, quando os Estados Unidos invadem o Iraque e há grande resistência internacional à ação.
Johnny é um soldado americano que foi para a Grande Guerra (também conhecida como Primeira Guerra Mundial) cheio de ardor patriótico, e voltou dela horrorosamente mutilado após ter sido atingido por uma bomba numa trincheira da França: perdeu os braços, as pernas, a visão, a audição, a fala, o olfato e praticamente todo o rosto. Mas não a capacidade de raciocinar e de se lembrar do que viveu.
A Grande Guerra (na verdade apenas européia com a participação dos Estados Unidos) foi, como Trumbo ressalta na introdução ao livro que escreveu em 1959, a última ainda classificável como "romântica", capaz de mobilizar muitos sentimentos positivos na população. Depois, ficou impossível idealizar a guerra como evento circunscrito aos heróicos militares que arriscavam a vida pelos princípios nobres da pátria.
Na Grande Guerra, talvez pela primeira vez na história, o número de vítimas fatais civis ultrapassou o de soldados. Morreram cerca de 9 milhões de combatentes e 12,5 milhões de não-combatentes. Esse tipo de relação aumentou na Segunda Guerra Mundial e nos conflitos das décadas posteriores. Estima-se que 200 milhões de pessoas tenham morrido devido a guerras no século 20.
No século 21, apesar da tão alardeada precisão cirúrgica orgulhosamente apresentada pelos porta-vozes das Forças Armadas americanas, os "danos colaterais" continuam a fazer um enorme número de vítimas. O que torna "Johnny" um trabalho literário tão atual quanto há 30 ou 60 anos.
O livro tem estrutura simples, enredo envolvente e mensagem marcante. Johnny sonhava em ter uma arma, combater o mal e cobrir-se de glória. Seu corpo desfigurado, mas ainda vivo, retorna ao seu país coberto de medalhas. Na mente desocupada de qualquer estímulo externo e para a qual Trumbo transporta o leitor, convivem as memórias, o desejo de se comunicar com alguém (e ele consegue fazê-lo com uma enfermeira) e um processo extensivo de avaliação sobre se valeu a pena ter conseguido a tão sonhada arma e lutado.
Dalton Trumbo sofreu a perseguição do macartismo por suas posições políticas. Sua história é mais relevante do que nunca, quando os EUA vivem ambiente social perigosamente parecido com o da década de 1950.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 50, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"




Johnny Vai à Guerra
    
Autor: Dalton Trumbo Editora: Relume Dumará Quanto: R$ 32 (228 págs.)



Texto Anterior: Drauzio Varella: Tributo a Charles Darwin
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.