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Editora 34 lança edição bilíngüe e comentada da primeira parte do "Fausto", de Goethe
Pacto sinistro
ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
As marionetes mexiam-se diante do pequeno curioso, que anos
mais tarde, em sua autobiografia,
deixaria registrado o impacto do
presente recebido da avó: "Numa
noite de Natal ela coroou todas as
suas bondades ao nos apresentar
um teatro de bonecos e criar um
novo mundo na velha casa".
O "novo mundo" foi tão significativo na vida do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe
(1749-1832), na ocasião com quatro anos, que, do teatro de marionetes (cuja lenda do Doutor Fausto era peça fundamental), nasceu
o primeiro embrião para que o escritor desenvolvesse sua grande
obra-prima, "Fausto - Uma Tragédia", que escreveu durante 60
anos da sua vida.
A primeira parte da obra (elaborada entre 1772 e 1806) acaba de
ser "revisitada" e sai em versão bilíngüe, pela editora 34, com a tradução considerada histórica de
Jenny Klabin Segall (1899-1967),
notas, prefácio e comentários do
germanista e professor da USP
Marcus Vinicius Mazzari e ilustrações do pintor francês Eugène
Delacroix (1798-1863).
A nova edição traz ainda, pela
primeira vez aos leitores brasileiros, um trecho autocensurado
por Goethe, traduzido literalmente por Mazzari, que não foi incluído quando do lançamento da primeira parte da tragédia, em 1808.
"Goethe censurou esse trecho
porque o público não o aceitaria e
porque ele não quis dar muita autonomia à figura de satã, mas
mostrar o mal como algo intrínseco ao homem", explica Mazzari.
Doutor Fausto foi um homem
de extrema erudição, que viveu na
Alemanha entre 1470 e 1540 e, reza a lenda, teria estabelecido um
pacto com o demônio. Apesar de
essa lenda ter sido incorporada
por outros artistas antes de Goethe, foi o poeta alemão quem
"cristalizou o tema do pacto do
homem com o demônio [no livro,
chamado de Mefistófeles] na literatura mundial", diz Mazzari.
Além do pacto, o tema central
dessa primeira parte da obra gira
em torno também da "tragédia de
Margarida", jovem por quem
Fausto se apaixona e que tem um
fim drástico na história.
Goethe dizia que as duas partes
da tragédia deveriam ser vistas separadamente. "Mas só na segunda se sabe como termina a aposta
entre Fausto e Mefistófeles e entre
este e Deus", diz Mazzari, que já
prepara as notas de "Fausto 2",
que talvez saia ainda neste ano.
Segall dedicou 30 anos de sua vida à tradução completa do Fausto. "Lembro-me vagamente do
quanto ela ficava absorta; e escrevia tudo à mão!", conta seu filho
Maurício Segall. Rigor poético e
fidelidade ao sentido original são
apontados por especialistas como
pontos fortes da tradução. Para
Paulo Soethe, professor de literatura alemã da Universidade Federal do Paraná, "o texto tem status
privilegiado na série de traduções
da obra para o português".
FAUSTO - UMA TRAGÉDIA (primeira
parte). De: Johann Wolfgang von
Goethe. Tradutora: Jenny Klabin Segall.
Lançamento: editora 34. Quanto: R$ 59
(552 págs.).
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