São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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Editora 34 lança edição bilíngüe e comentada da primeira parte do "Fausto", de Goethe

Pacto sinistro

ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As marionetes mexiam-se diante do pequeno curioso, que anos mais tarde, em sua autobiografia, deixaria registrado o impacto do presente recebido da avó: "Numa noite de Natal ela coroou todas as suas bondades ao nos apresentar um teatro de bonecos e criar um novo mundo na velha casa".
O "novo mundo" foi tão significativo na vida do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), na ocasião com quatro anos, que, do teatro de marionetes (cuja lenda do Doutor Fausto era peça fundamental), nasceu o primeiro embrião para que o escritor desenvolvesse sua grande obra-prima, "Fausto - Uma Tragédia", que escreveu durante 60 anos da sua vida.
A primeira parte da obra (elaborada entre 1772 e 1806) acaba de ser "revisitada" e sai em versão bilíngüe, pela editora 34, com a tradução considerada histórica de Jenny Klabin Segall (1899-1967), notas, prefácio e comentários do germanista e professor da USP Marcus Vinicius Mazzari e ilustrações do pintor francês Eugène Delacroix (1798-1863).
A nova edição traz ainda, pela primeira vez aos leitores brasileiros, um trecho autocensurado por Goethe, traduzido literalmente por Mazzari, que não foi incluído quando do lançamento da primeira parte da tragédia, em 1808. "Goethe censurou esse trecho porque o público não o aceitaria e porque ele não quis dar muita autonomia à figura de satã, mas mostrar o mal como algo intrínseco ao homem", explica Mazzari.
Doutor Fausto foi um homem de extrema erudição, que viveu na Alemanha entre 1470 e 1540 e, reza a lenda, teria estabelecido um pacto com o demônio. Apesar de essa lenda ter sido incorporada por outros artistas antes de Goethe, foi o poeta alemão quem "cristalizou o tema do pacto do homem com o demônio [no livro, chamado de Mefistófeles] na literatura mundial", diz Mazzari.
Além do pacto, o tema central dessa primeira parte da obra gira em torno também da "tragédia de Margarida", jovem por quem Fausto se apaixona e que tem um fim drástico na história.
Goethe dizia que as duas partes da tragédia deveriam ser vistas separadamente. "Mas só na segunda se sabe como termina a aposta entre Fausto e Mefistófeles e entre este e Deus", diz Mazzari, que já prepara as notas de "Fausto 2", que talvez saia ainda neste ano.
Segall dedicou 30 anos de sua vida à tradução completa do Fausto. "Lembro-me vagamente do quanto ela ficava absorta; e escrevia tudo à mão!", conta seu filho Maurício Segall. Rigor poético e fidelidade ao sentido original são apontados por especialistas como pontos fortes da tradução. Para Paulo Soethe, professor de literatura alemã da Universidade Federal do Paraná, "o texto tem status privilegiado na série de traduções da obra para o português".


FAUSTO - UMA TRAGÉDIA (primeira parte). De: Johann Wolfgang von Goethe. Tradutora: Jenny Klabin Segall. Lançamento: editora 34. Quanto: R$ 59 (552 págs.).


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