São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000


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CINEMA ESTRÉIA

"Aimée e Jaguar" fazem amor histérico e suicida

LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas

A piada é corrente em Berlim há algumas décadas. Para cair nas graças da seleção do seu festival de cinema basta que o candidato apresente um filme de temática judia ou gay.
Se conseguir juntar ambas as fórmulas numa mesma produção, então, é a glória. "Aimée e Jaguar" conseguiu.
E foi coberto de glórias pelo festival com seus compreensíveis complexos de mea-culpa: foi o filme de abertura em 1999 e contemplou a dupla Maria Schrader (Jaguar) e Juliane Köhler (Aimée) como melhores atrizes.
"Aimée e Jaguar" é polêmico e incômodo, com tórridas cenas de amor. Reconstitui o caso verídico de paixão entre duas mulheres na Berlim de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial. Paixão que acontece entre uma dona-de-casa alemã, mãe de quatro filhos, mulher de um oficial nazista, e uma judia da resistência, na semiclandestinidade e em papel duplo como secretária na redação de um jornal fascista.
Prato cheio para as platéias GLS pouco interessadas no contexto. É um filme sobre a guerra, pela ótica alemã, com uma série de pontos negativos para quem não está acostumado a ler história do ponto de vista de vilões, predadores ou perdedores.
Não é fácil adaptar a consciência à visão de lares, lazeres e trabalho dentro de uma Alemanha movida pelo ódio e alimentada do massacre de milhões de outros povos.
Também não é fácil acompanhar a razão de uma mulher apaixonada por outra, capaz de abandonar quatro filhos em plena guerra, já em clima de derrota e sob bombardeios. Não dá para elevá-las à condição de heroínas da resistência só por serem um desafio de consciência gay.
Afinal, o machismo nunca deixou de superestimar a estética homossexual feminina nos círculos do poder em Berlim, mesmo em tempos de guerra.
A casa cai quando Jaguar tem revelada a sua origem étnica, pois sua homossexualidade era pública e sem travas.
O ponto positivo do filme do estreante Max Färberböck está na tentativa de ilustrar como as elites se comportavam para esquecer a barbárie que as cercava e asfixiava cada vez mais.
A sedução e a paixão tem vieses histéricos muito compreensíveis no seu tempo. O desafio suicida, kamikaze, igualmente. É o que Aimée e Jaguar fazem -um amor histérico e suicida para esquecer os pavores da guerra.
Na história real Jaguar (Felice Schragenheim) desaparece para sempre depois de presa pela Gestapo.
Aimée (Juliane Köhler) dá proteção a mais judeus em fuga, tenta o suicídio em 1949, tem outro casamento heterossexual fracassado e acaba convertendo um filho à religião judaica.
Aos 87 anos continua guardando detalhes de sua correspondência de amor com Jaguar em duas malas que serão entregues a seu filho, em Israel, depois de morta. Pela natureza do destino, a sua história tem menos interesse do que a de sua amada Felice Schragenheim. A memória de Jaguar está no lastro coletivo do holocausto. Não em duas malas de recordações pessoais e trocas de juras de amor escapista.


Avaliação:   

Filme: Aimée & Jaguar (De Ojos Bien Cerrados)
Diretor: Max Färberböck
Produção: Alemanha, 1999
Com: Maria Schrader, Juliane Kohler
Quando: a partir de hoje, no cine Top Cine 2


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