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LIVROS/LANÇAMENTOS
"FRUTOS DA PAIXÃO" E "BICHOS-PAPÕES ANÔNIMOS"
Safra chega ao Brasil
Pennac e Bruckner oscilam
entre excelência e chauvinismo
CÁSSIO STARLING CARLOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Seus queijos e vinhos preservam a dianteira quando o assunto é qualidade; seu cinema
tropeçou no meio do caminho e
caiu dentro do próprio umbigo. Já
na literatura, os escritores franceses pendem entre esses extremos.
Pelo menos é a impressão que
fica da leitura isolada dos títulos
de Daniel Pennac e de Pascal
Bruckner que acabam de desembarcar nas livrarias brasileiras.
Como no caso culinário, ambos
produzem literatura de consumo
com teor de qualidade. Como nos
filmes, persiste em seus textos
uma fixação pela "alma francesa",
com seu chauvinismo e exibicionismo culturais que podem irritar
até mais que um leitor.
Pennac é quase uma unanimidade. Frequenta qualquer lista de
mais vendidos em seu país e seus
livros são, em geral, bem recebidos pela crítica algo sisuda, mas
bastante maleável quando se trata
de autores locais. Bruckner é um
intelectual queridinho, ex-discípulo de Roland Barthes, "novo filósofo" (seja lá o que isso signifique em um país em que nascem
filósofos todos os dias...) e, portanto, escritor de idéias.
A paixão de Pennac
O romance de Pennac é o quinto
título dedicado aos Malaussène,
uma espécie de reflexo deformado dos Rougon-Macquart de Zola
ou dos personagens recorrentes
da "Comédia Humana" de Balzac, guardadas as devidas proporções, óbvio. Em vez de família,
Pennac prefere tratar os Malaussène como "tribo", um aglomerado humano no qual as relações de
parentesco existem, mas não são
suficientemente distintas.
Junto com a família no formato
burguês, Pennac implode a gravidade, raiz das tantas tragédias romanescas do passado. Mais que
ironia, é a derrisão o tom dominante nos retratos dessa família
"fin-de-siècle".
Um exemplo é a expressão "frutos da paixão", que se desdobra
em várias camadas ao longo do
romance. Além de título, designa
um jardim-de-infância para filhos
de prostitutas de Belleville, bairro
onde vive a "tribo". E serve também para se referir ao bebê de Teresa, batizado de Maracujá, que
em português equivale ao que os
franceses chamam de "fruto da
paixão".
Essa proliferação irônica de significados alça Pennac a um patamar acima da leitura do tipo fast
food. Seu texto é leve, até mesmo
impregnante e resulta de um esforço particular do autor no sentido pedagógico. Além da literatura, ele dedica metade de seu dia a
dar aulas em escola secundária.
Para o leitor, Pennac desempenha
com excelentes resultados a função de um "professor para as
massas".
A razão de Bruckner
Um esforço equivalente de pastiche é o que se encontra nos dois
contos reunidos em "Bichos-Papões Anônimos". Aqui, o dublê
de filósofo e escritor Pascal
Bruckner retoma o universo de
contos de fadas de Charles Perrault, acentuando e explicitando
suas ressonâncias perversas. No
primeiro, conhecemos um bicho-papão em crise de consciência e
que tenta encontrar meios para se
reabilitar. No outro, um químico
faz o papel da velha bruxa que desaparece com criancinhas usando
suas poções.
Pode parecer absurdo, mas o limite do escritor nesse caso é
"pensar demais". Mesmo que o
texto de Bruckner tenha uma inegável elegância, seu universo é
massacrado pela demasiada importância. Tudo é relevante demais, significativo demais, em
grande parte devido à necessidade de ser "simbólico".
No fim, resta a impressão de
que as idéias do autor pareceriam
mais pertinentes se desmascaradas em forma de ensaio.
Frutos da Paixão
Aux Fruits de la Passion
Autor: Daniel Pennac
Tradução: Angela Melim
Editora: Rocco
Quanto: R$ 21 (172 págs.)
Bichos-Papões Anônimos
Les Ogres Anonymes
Autor: Pascal Bruckner
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Quanto: R$ 18 (126 págs.)
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