São Paulo, sábado, 05 de maio de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"FRUTOS DA PAIXÃO" E "BICHOS-PAPÕES ANÔNIMOS"

Safra chega ao Brasil

Pennac e Bruckner oscilam entre excelência e chauvinismo

CÁSSIO STARLING CARLOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Seus queijos e vinhos preservam a dianteira quando o assunto é qualidade; seu cinema tropeçou no meio do caminho e caiu dentro do próprio umbigo. Já na literatura, os escritores franceses pendem entre esses extremos.
Pelo menos é a impressão que fica da leitura isolada dos títulos de Daniel Pennac e de Pascal Bruckner que acabam de desembarcar nas livrarias brasileiras. Como no caso culinário, ambos produzem literatura de consumo com teor de qualidade. Como nos filmes, persiste em seus textos uma fixação pela "alma francesa", com seu chauvinismo e exibicionismo culturais que podem irritar até mais que um leitor.
Pennac é quase uma unanimidade. Frequenta qualquer lista de mais vendidos em seu país e seus livros são, em geral, bem recebidos pela crítica algo sisuda, mas bastante maleável quando se trata de autores locais. Bruckner é um intelectual queridinho, ex-discípulo de Roland Barthes, "novo filósofo" (seja lá o que isso signifique em um país em que nascem filósofos todos os dias...) e, portanto, escritor de idéias.

A paixão de Pennac
O romance de Pennac é o quinto título dedicado aos Malaussène, uma espécie de reflexo deformado dos Rougon-Macquart de Zola ou dos personagens recorrentes da "Comédia Humana" de Balzac, guardadas as devidas proporções, óbvio. Em vez de família, Pennac prefere tratar os Malaussène como "tribo", um aglomerado humano no qual as relações de parentesco existem, mas não são suficientemente distintas.
Junto com a família no formato burguês, Pennac implode a gravidade, raiz das tantas tragédias romanescas do passado. Mais que ironia, é a derrisão o tom dominante nos retratos dessa família "fin-de-siècle".
Um exemplo é a expressão "frutos da paixão", que se desdobra em várias camadas ao longo do romance. Além de título, designa um jardim-de-infância para filhos de prostitutas de Belleville, bairro onde vive a "tribo". E serve também para se referir ao bebê de Teresa, batizado de Maracujá, que em português equivale ao que os franceses chamam de "fruto da paixão".
Essa proliferação irônica de significados alça Pennac a um patamar acima da leitura do tipo fast food. Seu texto é leve, até mesmo impregnante e resulta de um esforço particular do autor no sentido pedagógico. Além da literatura, ele dedica metade de seu dia a dar aulas em escola secundária. Para o leitor, Pennac desempenha com excelentes resultados a função de um "professor para as massas".

A razão de Bruckner
Um esforço equivalente de pastiche é o que se encontra nos dois contos reunidos em "Bichos-Papões Anônimos". Aqui, o dublê de filósofo e escritor Pascal Bruckner retoma o universo de contos de fadas de Charles Perrault, acentuando e explicitando suas ressonâncias perversas. No primeiro, conhecemos um bicho-papão em crise de consciência e que tenta encontrar meios para se reabilitar. No outro, um químico faz o papel da velha bruxa que desaparece com criancinhas usando suas poções.
Pode parecer absurdo, mas o limite do escritor nesse caso é "pensar demais". Mesmo que o texto de Bruckner tenha uma inegável elegância, seu universo é massacrado pela demasiada importância. Tudo é relevante demais, significativo demais, em grande parte devido à necessidade de ser "simbólico".
No fim, resta a impressão de que as idéias do autor pareceriam mais pertinentes se desmascaradas em forma de ensaio.



Frutos da Paixão
Aux Fruits de la Passion
   
Autor: Daniel Pennac
Tradução: Angela Melim
Editora: Rocco
Quanto: R$ 21 (172 págs.)




Bichos-Papões Anônimos
Les Ogres Anonymes
  
Autor: Pascal Bruckner
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Quanto: R$ 18 (126 págs.)




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