|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"EVA E OS PADRES"
Duby tira véu de mulher medieval
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando começou sua investigação sobre como viviam as mulheres medievais,
Georges Duby (1919-1996) estava
pessimista: "Sabia bem que não
veria nada de seu rosto, de seus
gestos, de sua maneira de dançar,
de rir".
Para traçar esse retrato, Duby,
um dos mais importantes historiadores do século 20, tinha à sua
disposição crônicas, manuais de
confessores e estudos religiosos,
documentos que tinham em comum um ponto extremamente
relevante para suas intenções:
eram todos escritos por homens.
O que poderia vir daí, Duby o
sabia, eram apenas algumas sombras das mulheres que esses homens viam, o que pensavam delas, como as desejavam e, ao mesmo tempo, como as temiam.
Isso não o intimidou, e o resultado de sua pesquisa está na trilogia "Damas do Século 12", cujo
terceiro volume, "Eva e os Padres", chega agora às livrarias.
Nos primeiros livros, Duby
mostrou como os homens medievais viam as mulheres por dois
pontos de vista aparentemente
antagônicos: tinham-nas como
objeto que lhes havia sido entregue pelo poder divino, mas também viam nelas a personificação
do pecado, o que os amedrontava
e os levava a querer controlá-las.
Neste último volume, Duby
analisou um momento, a partir de
1180, em que a população européia teve um crescimento populacional acelerado e no qual a igreja
preocupou-se cada vez mais em
fazer com que sua mensagem
atingisse um público maior.
Esse período correspondeu a
um incremento nas comunicações, na língua, na mudança da
arquitetura das igrejas -que passaram a ser concebidas para receber mais gente- e das relações
entre homens e mulheres.
Na busca da ampliação de seu
público, a igreja viu a necessidade
de aproximar-se da mulher. Estudou sua natureza, seu comportamento e, principalmente, falou
com ela diretamente, sem a mediação dos maridos. Com isso,
aceitou-a como pessoa responsável por suas atitudes.
A mulher passou a surgir com
mais frequência nos escritos dos
religiosos e o Gênesis recebeu releituras que buscavam uma nova
maneira de regular a vida íntima
de homens e mulheres e uma redefinição do conceito de pecado.
Predominava entre as preocupações o controle da sexualidade
da mulher e da sua habilidade,
considerada natural, de mudar o
curso das coisas, seja pela comida
ou pela feitiçaria a que era identificada até então e a que seu espírito, considerado "fraco", se entregaria com facilidade.
Duby foi um importante representante da École des Annales,
grupo que dedicou-se a estudar o
cotidiano, relacionando-o com
fenômenos estruturais abrangentes. O livro é um exemplo dessa
forma de fazer história. Duby conecta um panorama amplo -o
crescimento populacional da Europa no século 12- com um
evento pontual, a mudança da relação entre a igreja e as mulheres.
Duby tirou parcialmente o véu
do rosto das mulheres que o intrigavam desde o distante século 12.
Se foi pessimista no princípio, termina bastante otimista: "Adivinho-as fortes, bem mais fortes do
que imaginava, e por que não, felizes, tão fortes que os machos
aplicam-se em enfraquecê-las pelas angústias do pecado".
Eva e os Padres
Ève et les Prêtres
Autor: Georges Duby
Tradutora: Maria Lúcia Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 22 (168 págs.)
Texto Anterior: Livros/Lançamentos - "Frutos da Paixão e "Bichos-Papões Anônimos": Pennac e Bruckner oscilam entre excelência e chauvinismo Próximo Texto: Trecho Índice
|