São Paulo, sábado, 05 de maio de 2001

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"EVA E OS PADRES"

Duby tira véu de mulher medieval

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando começou sua investigação sobre como viviam as mulheres medievais, Georges Duby (1919-1996) estava pessimista: "Sabia bem que não veria nada de seu rosto, de seus gestos, de sua maneira de dançar, de rir".
Para traçar esse retrato, Duby, um dos mais importantes historiadores do século 20, tinha à sua disposição crônicas, manuais de confessores e estudos religiosos, documentos que tinham em comum um ponto extremamente relevante para suas intenções: eram todos escritos por homens.
O que poderia vir daí, Duby o sabia, eram apenas algumas sombras das mulheres que esses homens viam, o que pensavam delas, como as desejavam e, ao mesmo tempo, como as temiam.
Isso não o intimidou, e o resultado de sua pesquisa está na trilogia "Damas do Século 12", cujo terceiro volume, "Eva e os Padres", chega agora às livrarias.
Nos primeiros livros, Duby mostrou como os homens medievais viam as mulheres por dois pontos de vista aparentemente antagônicos: tinham-nas como objeto que lhes havia sido entregue pelo poder divino, mas também viam nelas a personificação do pecado, o que os amedrontava e os levava a querer controlá-las.
Neste último volume, Duby analisou um momento, a partir de 1180, em que a população européia teve um crescimento populacional acelerado e no qual a igreja preocupou-se cada vez mais em fazer com que sua mensagem atingisse um público maior.
Esse período correspondeu a um incremento nas comunicações, na língua, na mudança da arquitetura das igrejas -que passaram a ser concebidas para receber mais gente- e das relações entre homens e mulheres.
Na busca da ampliação de seu público, a igreja viu a necessidade de aproximar-se da mulher. Estudou sua natureza, seu comportamento e, principalmente, falou com ela diretamente, sem a mediação dos maridos. Com isso, aceitou-a como pessoa responsável por suas atitudes.
A mulher passou a surgir com mais frequência nos escritos dos religiosos e o Gênesis recebeu releituras que buscavam uma nova maneira de regular a vida íntima de homens e mulheres e uma redefinição do conceito de pecado.
Predominava entre as preocupações o controle da sexualidade da mulher e da sua habilidade, considerada natural, de mudar o curso das coisas, seja pela comida ou pela feitiçaria a que era identificada até então e a que seu espírito, considerado "fraco", se entregaria com facilidade.
Duby foi um importante representante da École des Annales, grupo que dedicou-se a estudar o cotidiano, relacionando-o com fenômenos estruturais abrangentes. O livro é um exemplo dessa forma de fazer história. Duby conecta um panorama amplo -o crescimento populacional da Europa no século 12- com um evento pontual, a mudança da relação entre a igreja e as mulheres.
Duby tirou parcialmente o véu do rosto das mulheres que o intrigavam desde o distante século 12. Se foi pessimista no princípio, termina bastante otimista: "Adivinho-as fortes, bem mais fortes do que imaginava, e por que não, felizes, tão fortes que os machos aplicam-se em enfraquecê-las pelas angústias do pecado".



Eva e os Padres
Ève et les Prêtres
    
Autor: Georges Duby
Tradutora: Maria Lúcia Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 22 (168 págs.)




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