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CINEMA
Novo longa de Walter Lima Jr. mostra agitação cultural iniciada nos anos 60 e os desdobramentos do regime militar
"Os Desafinados" leva a bossa nova à tela
MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Num estúdio da zona sul do Rio
de Janeiro -palco de momentos
históricos da música, quando o
prédio de Copacabana foi sede da
RCA e da BMG/Ariola-, Glória
solta a voz e lidera a gravação de
"Mente pra Mim" (Newton Mendonça), acompanhada por piano,
violão, baixo e percussão. A cena,
filmada no domingo passado, é de
ficção, mas se confunde com a
realidade no musical "Os Desafinados", o novo longa do cineasta
Walter Lima Jr., 66.
A repercussão da música brasileira no exterior como movimento da sociedade, simbolizada pela
bossa nova, ganha neste ano mais
um capítulo na história com um
filme que fala da efervescência
cultural iniciada nos anos 60, cujos desdobramentos seriam atropelados pelo regime militar e,
mais tarde, pela morte de alguns
ícones do gênero.
Não é, no entanto, um filme biográfico -alguns personagens são
baseados na vida real, mas não ganham os nomes que fizeram a história da bossa nova como João
Gilberto, Tom Jobim, Roberto
Menescal, João Donato ou Sérgio
Mendes. Fala de cultura, política e
comportamento nos anos 60, passando também pela década de 70
e chegando ao século 21. "É um
filme sobre sentimentos e o entusiasmo, uma coisa febril que existia na época", diz o diretor, autor
de premiados trabalhos como "A
Ostra e o Vento" (1997) e "Menino do Engenho" (1965).
Glória, a cantora, é vivida por
Cláudia Abreu. Ao seu lado estão
Rodrigo Santoro (o pianista Joaquim), Ângelo Paes Leme (o violonista Davi), André Moraes (o
baterista Paulo César) e Jair Oliveira (o baixista Geraldo), que
formam o quarteto que a acompanha na aventura musical.
A escolha do elenco foi um dos
dilemas da produção. "Eu pensava em fazer um filme só com músicos, mas eles deveriam ter alguma vivência de atuação. Fiz uma
mescla disso, mas nossos atores
são muito musicais."
A equipe está na quinta das oito
semanas de filmagem (uma delas
será em Nova York), e o filme deve ficar pronto até o final do ano, a
um custo de R$ 7 milhões, com
previsão de estréia para o primeiro semestre de 2006, segundo o
produtor Flávio Tambellini, 52,
da Ravina Filmes.
Experiências
A Folha visitou o set de "Os Desafinados", onde acompanhou as
filmagens durante um dia. Extremamente cuidadoso com a produção, Lima Jr. diz ter vivido experiências como as que estão no
roteiro. "Eu sou uma pessoa muito ligada à música. A idéia de fazer
um musical é muito antiga", afirma o cineasta. "Este tipo de projeto, que usa valores tão fundamentais e essenciais da nossa cultura,
deveria ser mais presente na nossa cinematografia. Sinto falta de
filmes com música", diz.
O cineasta afirma que não quer
fazer de "Os Desafinados" um filme de protesto. "Não tenho mágoa nem ressentimento da ditadura militar. Fui preso, tive um irmão preso, mas vi um pianista, o
Francisco Tenório Júnior, que foi
preso político, morrer inexplicadamente [oficialmente, o músico
é tido como desaparecido]. Quero
fazer um filme sem ressentimento
da repressão", conta Lima Jr.
Um dos personagens, segundo
o diretor, será atingido pelo que
chama de "alguns erros do regime
militar", o que provocará a separação do grupo e repercutirá de
maneira catastrófica.
O argumento do filme é baseado na história da banda, que, empolgada com a ascensão da música brasileira nos EUA, se inscreve
para um concerto no Carnegie
Hall. Mesmo não tendo sido selecionado, o grupo vai para Nova
York e tenta firmar uma carreira
no exterior. Lá, conhece Glória,
que se junta à banda. Na cena, que
ainda não foi realizada, eles são
guiados por acordes tão conhecidos que ecoam pelo Central Park.
Real, a cena aconteceu em Veneza, na Itália, em 1997, quando o
cineasta caminhava pelas ruas e
ouviu uma versão instrumental
de "Insensatez". A música de
Tom Jobim e Vinicius de Moraes
deve ser incluída na trilha sonora,
mas ainda depende de direitos
autorais. Mesmo que não entre,
músicas-tema da bossa nova como "Desafinado" estarão no filme. "Há também algumas canções "lado B" da época, algumas
partituras encontradas e musicadas agora", conta Tambellini.
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