São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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DVDS

Katharine Hepburn simboliza autonomia

Casal formado por Kate e Spencer Tracy fez história no cinema norte-americano

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Que me perdoem os amantes de Rita Hayworth, mas nunca houve mulher como Kate.
Filha de um médico e de uma militante feminista, Katharine Hepburn (1907-2003) estava destinada a representar no cinema a mulher americana moderna, independente e, quase sempre, indomável.
A caixa de DVDs da atriz que está sendo lançada permite acompanhar um pouco da construção dessa persona cinematográfica.
Dos quatro filmes do pacote, apenas o primeiro, "A Mulher que Soube Amar", dirigido por George Stevens em 1935, mostra Kate no papel de uma moça coitadinha, Alice Adams, pobretona que acaba conquistando um príncipe milionário (Fred MacMurray).
O filme tem o velho "poor girl meets rich boy": antes da Segunda Guerra, Hollywood não tinha vergonha de realizar melodramas de Cinderela.
A bem da verdade, é um filme datado, que ainda tem valor graças ao imenso talento de Hepburn, que ao longo da carreira seria indicada 12 vezes ao Oscar -ganhou quatro.
Só o sorriso já valeria uma tese. No rosto de Kate há sorrisos radiantes, irônicos, tristes, ferozes, sonhadores. As cenas em que ela tenta disfarçar sua pobreza chegam a lembrar o humor pungente de Chaplin.
A partir da comédia "A Mulher do Dia", realizado pelo mesmo Stevens em 1942, entramos num registro completamente diferente. Foi o primeiro dos oito filmes em que a atriz contracenou com Spencer Tracy. A dupla, que manteria um romance extraconjugal de 25 anos fora das telas, foi uma das maravilhas do cinema clássico americano.
Em "A Mulher do Dia", Kate é uma sofisticada jornalista internacional, poliglota, filha de diplomata, que se envolve com um comentarista esportivo bronco a ponto de pensar que Vichy é um time francês de beisebol.
Os choques culturais são memoráveis: Tracy numa recepção a diplomatas estrangeiros, Kate elegantérrima na arquibancada de um jogo de beisebol. Impagáveis peixes fora d'água.
Os outros dois filmes da caixa, ambos de George Cukor, são variações em torno do tema do homem (sempre Tracy) desconcertado diante da nova mulher que surgia na América.
Em "A Costela de Adão" (1949), Kate é uma advogada de defesa casada com um promotor público. Claro que eles vão se defrontar no tribunal: ele tentando condenar uma mulher acusada de tentar matar o marido e a amante; ela defendendo a moça com base em argumentos feministas.
Em "A Mulher Absoluta" (1952), Hepburn é uma poliesportista agenciada por um empresário meio picareta (Tracy). Os dois demoram muito mais do que o público a perceber que foram feitos um para o outro.
As longas seqüências de jogos de golfe e tênis são palco de uma sutil encenação dos descompassos entre o corpo e o espírito, nessa que é talvez a comédia mais freudiana do casal.
Hepburn e Tracy elevaram ao sublime, nessas comédias, a arte hollywoodiana do diálogo veloz e cortante, das discussões que passam da ira a eros em questão de segundos.
Pensando bem, para tourear uma mulher como Kate Hepburn, só um homem com o humor e a aparente "nonchalance" de Spencer Tracy. Se todas as brigas de casal fossem como as deles, o mundo seria um lugar mais belo e divertido.
Coleção Katharine Hepburn
    
Distribuidora: Warner (R$ 140, em média; caixa com quatro DVDs)


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