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DVDS
Katharine Hepburn simboliza autonomia
Casal formado por Kate e Spencer Tracy fez história no cinema norte-americano
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Que me perdoem os amantes
de Rita Hayworth, mas nunca houve mulher como Kate.
Filha de um médico e de uma
militante feminista, Katharine
Hepburn (1907-2003) estava destinada a representar no cinema a
mulher americana moderna, independente e, quase sempre, indomável.
A caixa de DVDs da atriz que está sendo lançada permite acompanhar um pouco da construção
dessa persona cinematográfica.
Dos quatro filmes do pacote,
apenas o primeiro, "A Mulher
que Soube Amar", dirigido por
George Stevens em 1935, mostra
Kate no papel de uma moça coitadinha, Alice Adams, pobretona
que acaba conquistando um príncipe milionário (Fred MacMurray).
O filme tem o velho "poor girl
meets rich boy": antes da Segunda
Guerra, Hollywood não tinha vergonha de realizar melodramas de
Cinderela.
A bem da verdade, é um filme
datado, que ainda tem valor graças ao imenso talento de Hepburn, que ao longo da carreira seria indicada 12 vezes ao Oscar
-ganhou quatro.
Só o sorriso já valeria uma tese.
No rosto de Kate há sorrisos radiantes, irônicos, tristes, ferozes,
sonhadores. As cenas em que ela
tenta disfarçar sua pobreza chegam a lembrar o humor pungente
de Chaplin.
A partir da comédia "A Mulher
do Dia", realizado pelo mesmo
Stevens em 1942, entramos num
registro completamente diferente. Foi o primeiro dos oito filmes
em que a atriz contracenou com
Spencer Tracy. A dupla, que manteria um romance extraconjugal
de 25 anos fora das telas, foi uma
das maravilhas do cinema clássico americano.
Em "A Mulher do Dia", Kate é
uma sofisticada jornalista internacional, poliglota, filha de diplomata, que se envolve com um comentarista esportivo bronco a
ponto de pensar que Vichy é um
time francês de beisebol.
Os choques culturais são memoráveis: Tracy numa recepção a
diplomatas estrangeiros, Kate elegantérrima na arquibancada de
um jogo de beisebol. Impagáveis
peixes fora d'água.
Os outros dois filmes da caixa,
ambos de George Cukor, são variações em torno do tema do homem (sempre Tracy) desconcertado diante da nova mulher que
surgia na América.
Em "A Costela de Adão" (1949),
Kate é uma advogada de defesa
casada com um promotor público. Claro que eles vão se defrontar
no tribunal: ele tentando condenar uma mulher acusada de tentar matar o marido e a amante; ela
defendendo a moça com base em
argumentos feministas.
Em "A Mulher Absoluta"
(1952), Hepburn é uma poliesportista agenciada por um empresário meio picareta (Tracy). Os dois
demoram muito mais do que o
público a perceber que foram feitos um para o outro.
As longas seqüências de jogos
de golfe e tênis são palco de uma
sutil encenação dos descompassos entre o corpo e o espírito, nessa que é talvez a comédia mais
freudiana do casal.
Hepburn e Tracy elevaram ao
sublime, nessas comédias, a arte
hollywoodiana do diálogo veloz e
cortante, das discussões que passam da ira a eros em questão de
segundos.
Pensando bem, para tourear
uma mulher como Kate Hepburn, só um homem com o humor e a aparente "nonchalance"
de Spencer Tracy. Se todas as brigas de casal fossem como as deles,
o mundo seria um lugar mais belo
e divertido.
Coleção Katharine Hepburn
Distribuidora: Warner (R$ 140, em
média; caixa com quatro DVDs)
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