São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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O escritor do cinema

Autor do roteiro de "Babel", o mexicano Guillermo Arriaga, que lança romance e vem à Flip, rompe com Alejandro Iñárritu e pede valorização do roteirista

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde os 13 anos, o mexicano Guillermo Arriaga não sente cheiro nenhum. Depois de fraturar nove vezes o nariz nas brigas de rua em que se envolveu quando era garoto, no violento bairro de Unidad Modelo, na Cidade do México, onde cresceu, o escritor acabou perdendo o sentido do olfato.
Hoje, aos 49, Arriaga é um artista obcecado por temas cheios de odores: cadáveres insepultos, homens e mulheres embriagados, maus cheiros e perfumes trazidos pelo vento do deserto. Elementos que estão nos filmes cuja idéia concebeu e os roteiros escreveu.
Entre eles, os premiados "Amores Brutos" (2000), "21 Gramas" (2003) e "Babel" (2006), dirigidos pelo também mexicano Alejandro Iñárritu, e em "Três Enterros de Melquíades Estrada", dirigido por Tommy Lee Jones, e que levou o prêmio de melhor roteiro em Cannes, em 2005.
A mesma ambientação está nos enredos de seus textos literários, como no mais recente romance, não por acaso chamado "Um Doce Aroma de Morte", que Arriaga virá lançar na quinta edição da Festa Literária de Paraty (Flip), entre os dias 4 e 8 de julho.
"Como Borges, que foi ficando cada vez mais atraído por espelhos enquanto ia ficando cego, eu sinto uma grande nostalgia com relação ao olfato. É um mundo que perdi. Agora, sinto cheiros por meio do paladar, e das cores das coisas. Minhas histórias são a busca por suprir a ausência de um sentido", disse Arriaga à Folha, por telefone, da Cidade do México.
Para defender esse universo muito particular de seus textos (tanto aqueles voltados para o cinema como os literários), Arriaga comprou uma bela briga no começo do ano. Primeiro, rompeu com o parceiro Iñárritu, irritado pelo fato de o diretor estar colhendo os louros de idéias que, na verdade, seriam dele. Depois, passou a defender um debate aberto sobre a questão da autoria no cinema.
"Um filme não pode pertencer apenas a um diretor. Minhas histórias têm uma identidade. Quem lê meus romances ou assiste a "Babel" e "Três Enterros" sabe que está diante de um mesmo criador. Não é uma questão só entre mim e Iñárritu, é um tema que o cinema tem a obrigação de debater."
Mas considerar os diretores como criadores principais de um filme já não é parte de uma cultura há muito enraizada? "Não acho. O cinema é uma arte muito jovem, não podemos tomar essas regras como leis pré-estabelecidas e pronto. É preciso valorizar o trabalho de quem tem a idéia, de quem desenvolve o texto e os diálogos."

Banalização da violência
Mortes violentas, vingança e perseguição são temas recorrentes nos roteiros e romances de Arriaga. E o modo como o autor se defende na discussão sobre a banalização da violência no cinema é bastante duro. "A questão não é se o cinema estimula a violência, mas o quanto pode ajudar a refletir sobre ela. Um morto é um morto, carrega um peso, que é o da nossa própria violência pessoal. Somos agentes da destruição, mesmo se não a provocamos diretamente".
O escritor vê, ainda, uma diferença no modo como os cinemas norte-americano e latino-americano tratam a violência. "Nos EUA, a violência surge como diversão, como recurso na trama de aventura. Não é assim no México ou no Brasil. Aqui a violência não é simpática, não é algo engraçado. Quem vive a violência não vê graça nela. Nossos filmes, por mostrarem a violência como algo grave e presente, nos oferecem meios para refletir sobre ela."
Para irritar ainda mais o coro dos críticos politicamente corretos, Arriaga adora falar sobre o hobby de que mais gosta, a caça. "Não tenho vergonha de dizer que gosto de caçar. É como fechar um ciclo. Todos matamos, o ser humano vive com as mãos metidas no sangue. Os vegetarianos se acham inocentes, mas eles também matam para comer. Nenhum ser humano está isento da destruição. O caçador apenas encerra um ciclo, busca o animal, cerca, observa, mata e come. Caçar é uma droga anti-alienação, permite entender as contradições da natureza humana e nosso lugar dentro do mundo", completa.


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