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O escritor do cinema
Autor do roteiro de "Babel", o mexicano Guillermo Arriaga, que lança romance e vem à Flip, rompe com Alejandro Iñárritu e pede valorização do roteirista
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde os 13 anos, o mexicano
Guillermo Arriaga não sente
cheiro nenhum. Depois de fraturar nove vezes o nariz nas
brigas de rua em que se envolveu quando era garoto, no violento bairro de Unidad Modelo,
na Cidade do México, onde
cresceu, o escritor acabou perdendo o sentido do olfato.
Hoje, aos 49, Arriaga é um artista obcecado por temas
cheios de odores: cadáveres insepultos, homens e mulheres
embriagados, maus cheiros e
perfumes trazidos pelo vento
do deserto. Elementos que estão nos filmes cuja idéia concebeu e os roteiros escreveu.
Entre eles, os premiados
"Amores Brutos" (2000), "21
Gramas" (2003) e "Babel"
(2006), dirigidos pelo também
mexicano Alejandro Iñárritu, e
em "Três Enterros de Melquíades Estrada", dirigido por
Tommy Lee Jones, e que levou
o prêmio de melhor roteiro em
Cannes, em 2005.
A mesma ambientação está
nos enredos de seus textos literários, como no mais recente
romance, não por acaso chamado "Um Doce Aroma de Morte", que Arriaga virá lançar na
quinta edição da Festa Literária de Paraty (Flip), entre os
dias 4 e 8 de julho.
"Como Borges, que foi ficando cada vez mais atraído por espelhos enquanto ia ficando cego, eu sinto uma grande nostalgia com relação ao olfato. É um
mundo que perdi. Agora, sinto
cheiros por meio do paladar, e
das cores das coisas. Minhas
histórias são a busca por suprir
a ausência de um sentido", disse Arriaga à Folha, por telefone, da Cidade do México.
Para defender esse universo
muito particular de seus textos
(tanto aqueles voltados para o
cinema como os literários), Arriaga comprou uma bela briga
no começo do ano. Primeiro,
rompeu com o parceiro Iñárritu, irritado pelo fato de o diretor estar colhendo os louros de
idéias que, na verdade, seriam
dele. Depois, passou a defender
um debate aberto sobre a questão da autoria no cinema.
"Um filme não pode pertencer apenas a um diretor. Minhas histórias têm uma identidade. Quem lê meus romances
ou assiste a "Babel" e "Três Enterros" sabe que está diante de
um mesmo criador. Não é uma
questão só entre mim e Iñárritu, é um tema que o cinema
tem a obrigação de debater."
Mas considerar os diretores
como criadores principais de
um filme já não é parte de uma
cultura há muito enraizada?
"Não acho. O cinema é uma arte muito jovem, não podemos
tomar essas regras como leis
pré-estabelecidas e pronto. É
preciso valorizar o trabalho de
quem tem a idéia, de quem desenvolve o texto e os diálogos."
Banalização da violência
Mortes violentas, vingança e
perseguição são temas recorrentes nos roteiros e romances
de Arriaga. E o modo como o
autor se defende na discussão
sobre a banalização da violência no cinema é bastante duro.
"A questão não é se o cinema
estimula a violência, mas o
quanto pode ajudar a refletir
sobre ela. Um morto é um morto, carrega um peso, que é o da
nossa própria violência pessoal. Somos agentes da destruição, mesmo se não a provocamos diretamente".
O escritor vê, ainda, uma diferença no modo como os cinemas norte-americano e latino-americano tratam a violência.
"Nos EUA, a violência surge como diversão, como recurso na
trama de aventura. Não é assim
no México ou no Brasil. Aqui a
violência não é simpática, não é
algo engraçado. Quem vive a
violência não vê graça nela.
Nossos filmes, por mostrarem
a violência como algo grave e
presente, nos oferecem meios
para refletir sobre ela."
Para irritar ainda mais o coro
dos críticos politicamente corretos, Arriaga adora falar sobre
o hobby de que mais gosta, a caça. "Não tenho vergonha de dizer que gosto de caçar. É como
fechar um ciclo. Todos matamos, o ser humano vive com as
mãos metidas no sangue. Os vegetarianos se acham inocentes,
mas eles também matam para
comer. Nenhum ser humano
está isento da destruição. O caçador apenas encerra um ciclo,
busca o animal, cerca, observa,
mata e come. Caçar é uma droga anti-alienação, permite entender as contradições da natureza humana e nosso lugar dentro do mundo", completa.
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