|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Entrevista - Sábato Magaldi
Brecht é o Shakespeare da nossa era
Prestes a completar 80 anos, Magaldi avalia obra do autor alemão e relembra sua convivência com Nelson Rodrigues e Sartre
André Durão/Folha Imagem
|
O crítico Sábato Magaldi, na cobertura do prédio onde mora, no Rio, com vista para a praia de Copacabana |
Sem festas, conforme prefere, o crítico e historiador
de teatro Sábato Magaldi completa 80 anos na quarta,
dia 9. Ele iniciou a carreira no Rio, em 1950, como repórter e crítico do "Diário Carioca", transferindo-se
para São Paulo três anos depois, para dar aulas na Escola de Arte Dramática (EAD), posteriormente incorporada pela Universidade de São Paulo (USP).
FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
As lições na EAD e o trabalho
no "Suplemento Literário", de
"O Estado de S. Paulo" resultaram em alguns de seus 15 livros,
entre eles o "Panorama do Teatro Brasileiro", de 1962, primeira síntese em bases modernas
da cena no país. A partir de
1966, respondeu pela crítica de
espetáculos no "Jornal da Tarde", exercida por 22 anos.
Seus livros mais recentes são
as coletâneas de artigos "Depois do Espetáculo", de 2003, e
"Teatro Sempre", lançada no
ano passado. Há um novo livro
à vista: vai se chamar "Presença
do Teatro" e sairá pela Perspectiva em 2008.
Em entrevista à Folha, o mineiro de Belo Horizonte fala da
chegada ao Rio, da amizade
com Nelson Rodrigues (de
quem organizou o "Teatro
Completo"), de personalidades
como Jean-Paul Sartre e do papel desempenhado por sua geração. E recomenda: "Dos gregos até aqui, o crítico tem que
ler tudo". Veja trechos a seguir.
FOLHA - O senhor chegou ao Rio de
Janeiro em 1948, para trabalhar
com Cyro dos Anjos no serviço público. Como era aquela atmosfera aos
olhos do recém-chegado?
MAGALDI - Devo ter sido um secretário municipal de Cultura,
em São Paulo [de 1975 a 1979,
na gestão Olavo Setúbal], muito
chato, porque o Cyro era de
uma exigência tão grande que,
para escrever um bilhete, tinha
que ser uma coisa perfeita, literariamente [ri]. Eu acabei pegando um pouco essa doença, e
fica muito difícil você, depois,
se livrar dessas coisas. Então,
eu sempre exigia muito também dos colaboradores.
FOLHA - Em 1950, o senhor começou a carreira no "Diário Carioca".
Em 1951, entrevistou Nelson Rodrigues a respeito de "Valsa nš 6". Pode falar sobre ele?
MAGALDI - Nelson era uma pessoa muito generosa, realmente
um companheiro. Era um grande amigo e extremamente ciumento, quer dizer, você não podia gostar de outra coisa em
teatro. Qualquer coisa que pudesse fazer sombra ao Nelson
para ele era um problema. Tinha grande admiração por [Eugene] O'Neill, a grande paixão
da vida dele.
FOLHA - No então recém-criado
"Suplemento Literário" de "O Estado de S. Paulo", o senhor escreveu,
em 1956, sobre a obra de Bertolt
Brecht, que havia morrido naquele
ano. Qual é a sua avaliação hoje de
Brecht?
MAGALDI - Na verdade, ela cresceu com o tempo. Talvez, nas
montagens dele que vi na Europa, eu não tivesse grande interesse, ou elas não tenham me
tocado muito. Mas, depois que
li a obra dele toda e que vi ótimas montagens de peças dele,
passei a considerar Brecht o
Shakespeare do nosso tempo.
FOLHA - Em 1958, o senhor previu
que "Eles Não Usam Black-Tie", de
Gianfrancesco Guarnieri, iria "revolucionar a dramaturgia brasileira".
A peça foi encenada pelo Teatro
de Arena e ficou um ano em cartaz.
Em que sentido se deu aquela revolução?
MAGALDI - O nosso teatro, em
geral, naquela época era muito
encaminhado para a comédia
de costumes. O Nelson era uma
exceção nisso, isso não se afinava com a visão dele do mundo.
Eu senti que "Black-Tie" era
uma peça que colocava o problema social na dramaturgia
brasileira. Essa peça acabou
criando toda uma nova corrente, que o Guarnieri aprofundou,
o [Augusto] Boal participou dela, o Vianinha participou dela;
[tratava-se] de dar um colorido
social muito mais coerente e
sério para a dramaturgia.
Passou a ser um problema
marcante para essa geração e,
desse ponto de vista, a influência de Brecht foi grande. Todo
mundo começou a se interessar
por ele, e o Brasil estava num
momento de ebulição política,
então isso funcionou muito. A
posição do Arena era nitidamente uma posição de esquerda, contrária à simples brincadeira. Esse grupo deu uma dimensão social ao teatro brasileiro, que continua.
FOLHA - Na condição de repórter, o
senhor ouviu gente como o filósofo
e escritor francês Jean-Paul Sartre,
que veio ao Brasil em 1960. Pode
lembrar essas entrevistas?
MAGALDI - Sartre, com uma formação filosófica muito grande,
era uma pessoa com os pés fincados na terra. Além do mais,
era extremamente gentil, tinha
uma paciência com os repórteres... Coisa que a mulher dele já
não tinha; Simone de Beauvoir
não deixou uma imagem simpática na passagem pelo Brasil.
As pessoas não gostavam muito
dela, talvez até pelo contraste
com o Sartre. Ele tinha uma curiosidade, um interesse em saber das coisas. O Brasil era um
país que estava despontando, e
sempre houve uma ligação
muito grande entre a França e o
Brasil. Sartre provavelmente
quis saber por quê, como isso
funcionava. Por outro lado, era
um autor já muito lido no país.
FOLHA - Seu "Panorama do Teatro
Brasileiro" saiu em 1962 e se tornou
referência para os estudos teatrais.
Como avalia o livro hoje?
MAGALDI - Naquela ocasião, o
livro, de um lado, deu relevo ao
aspecto histórico, vem de [José
de] Anchieta, passa por Machado [de Assis], até aqui, mas a
importância do livro foi que viu
o teatro brasileiro com uma visão moderna. As coisas que
eram escritas sobre o teatro nacional, à parte o Décio [de Almeida Prado], eram muito velhas; pessoas que não tinham o
menor valor literário eram endeusadas. O pessoal não tinha
uma visão moderna do teatro;
coisas que montavam no Rio de
Janeiro, vagabundas, eram
consideradas importantíssimas no teatro brasileiro. Havia
uma luta de uma velha geração,
que tinha desaparecido como
criador teatral em função dos
novos valores, realmente outros valores. Aí, surgiram, depois do Nelson, o Boal, o pessoal do Arena, o Vianinha. Houve um movimento muito importante, que não tinha vez na
dramaturgia antiga brasileira.
FOLHA - Quais são as qualidades
indispensáveis a um crítico?
MAGALDI - Primeiro, o crítico
tem que conhecer teatro profundamente, pelo menos do
teatro grego até hoje (ri), ele
tem que ler. Isso é fundamental. Depois, tem que conhecer o
mecanismo teatral. Não adianta só o dramaturgo ter um bom
texto; se ele não sabe transformar aquilo em matéria teatral
verdadeira, em cena, não funciona. O crítico tem que conhecer todos esses aspectos. Nenhum crítico é onisciente, mas
você deve saber colocar um
pouco a circunstância de cada
coisa. Se um grupo não tem
muitos elementos, muito dinheiro para fazer, nos figurinos
e no cenário, uma coisa muito
rica, você precisa ter um outro
valor, equivalente.
O crítico que não conhece
história do teatro, que não conhece as necessidades de uma
boa interpretação, o que é uma
boa direção, e que não tem também uma sensibilidade para valorizar os figurinos não pode
ser crítico. Ele tem que ter essa
abertura. Às vezes, você tem
mais uma, tem menos outra
[dessas qualidades], isso acontece com todo crítico, naturalmente, porque é muito difícil
alguém dominar tudo com perfeição. Mas o ideal é estar preparado em todos esses setores.
FERNANDO MARQUES é jornalista, doutor em
literatura brasileira pela Universidade de Brasília (UnB). Publicou "Retratos de Mulher" (poemas, Varanda) e "Zé" (teatro, Perspectiva).
Texto Anterior: Manuel da Costa Pinto: Passaportes sem fotografia Próximo Texto: Frases Índice
|