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MANUEL DA COSTA PINTO
Passaportes sem fotografia
"Geografia do Romance" traz ensaios de Carlos Fuentes sobre Borges, Italo Calvino e Juan Goytisolo, entre outros
A REPERCUSSÃO em torno da
reedição de "Kafka: Pró e
Contra", de Günther Anders
(Cosacnaify), teve como efeito reavivar um debate sobre o realismo literário que "Geografia do Romance",
de Carlos Fuentes, problematiza em
chave contemporânea.
O ensaísta alemão afirmou que
Kafka, longe de ser um autor alegórico, é um "fabulador realista", fórmula que acabou sendo valorizada
menos por seu teor heurístico do
que como forma de desmerecer leituras metafísico-religiosas. Ironicamente, essa recepção de Anders revela uma preocupação com o realismo da representação que Kafka parecia ter enterrado, mas que assim
se mostra indissociável, senão da literatura, ao menos do romance.
Não é casual que Fuentes use o autor de "O Processo" como ponta do
iceberg. Mencionando um político
para quem "Kafka, se tivesse nascido mexicano, teria sido um escritor
costumbrista" (ou seja, o cronista de
uma realidade absurda), ele vê no
escritor tcheco aquele que "com
maior imaginação, compromisso e
verdade descreveu a universalidade
da violência como passaporte sem
fotografia do nosso tempo".
"Geografia do Romance" traz ensaios sobre Borges, Juan Goytisolo,
Roa Bastos, Milan Kundera, György
Konrád, Calvino e Salman Rushdie,
num total de 11 autores.
O romancista mexicano procura
neles a resposta à questão do ensaio
de abertura, "O Romance Morreu?"
-que diz respeito à perda do papel
social do gênero como portador de
novidades (como ocorria nos folhetins dos séculos 18 e 19, suplantados
por sofisticadas tecnologias da informação) e a sua plasticidade formal: "Que pode dizer o romance que
não se possa dizer de nenhuma outra maneira?"
É interessante notar (já que Fuentes não o faz) que tal pergunta jamais poderia ser feita em relação à
poesia -o que demonstra uma diferença essencial entre esses dois continentes da linguagem literária.
Apesar de falarmos de uma "poética do romance", ou da existência de
gêneros híbridos como o "poema em
prosa", existe um paradigma segundo o qual a palavra poética tem a
opacidade das coisas (é uma estrutura do mundo exterior, como as notas de uma música), ao passo que a
palavra prosaica tende para a transparência da linguagem instrumental (uma lente que nos permite contemplar o existente).
O que faz do romance uma forma
de arte, portanto, é menos sua linguagem do que sua ficcionalidade,
que torna essa função comunicativa
ambígua: "O romance não mostra
nem demonstra o mundo, senão que
acrescenta algo ao mundo", escreve
Fuentes. O autor de "A Morte de Artemio Cruz" descobre aí o sentido
ético da escrita romanesca moderna, que no século 20 procurou fugir
de apropriações por discursos ideológicos e de dicotomias entre realismo e imaginação: "O não-dito ultrapassa todo o dito ou o mal dito no
discurso cotidiano da informação e
da política".
GEOGRAFIA DO ROMANCE
Autor: Carlos Fuentes
Tradução: Carlos Nougué
Editora: Rocco
Quanto: R$ 29 (192 págs.)
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