São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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O funkeiro Gerson King Combo, 56, volta à indústria musical após 23 anos

O Passageiro do funk

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
O funkeiro e soulman carioca Gerson King Combo, 56, que volta com "Mensageiro da Paz"


Autor de "Funk Brother Soul" surfa na nova onda black e lança o disco "Mensageiro da Paz"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Há pouco mais de seis meses, Gerson King Combo estava onde esteve nos últimos mais de 20 anos: no esquecimento. Hoje, depois de se tornar objeto de culto numa súbita onda de revalorização da black music à brasileira dos anos 70, um de nossos primeiros funkeiros dá um pinote no descaso e está de volta à grande indústria musical.
"Só Deus sabe por que estou de volta. Achava que nunca mais ia voltar ao disco, nem estava mais pensando nisso. Agora as coisas estão acontecendo, parece que estou ganhando um prêmio pela minha vida, pelo que fiz", brinda, aos 56 anos, o artista carioca.
Dissipada a carreira, em grande parte passada nos bastidores de rádio, TV e showbiz, passou a trabalhar em projetos assistencialistas com menores carentes. "Não juntei nada até hoje, joguei muita coisa fora. As coisas passaram, fiquei sozinho. Se tenho um defeito é o orgulho, fiz uma redoma e não pedi nada a ninguém."
"Mensageiro da Paz", da Continental, é o primeiro álbum do artista desde 78, quando sua movida funk à Tim Maia se unira à discothèque então em moda e ele perpetrara os manifestos de submundo "Mandamentos Black" (77) e "Funk Brother Soul" (78).
Os dois funks de black power pacifista, mais a balada "Uma Chance" (78), são regravados em "Mensageiro da Paz", que se completa com dez faixas inéditas.
King Combo afirma que continua acreditando tal e qual nos preceitos de inclusão negra sem conflitos raciais que imprimia aos antigos manifestos.
"Ainda penso que não dá para salvar o mundo. Mas que dá para dar uma acordada nessa turma, principalmente a turma que me segue, do soul, isso dá. O que se deve apresentar em público deve mostrar que não é com briga que nada vai dar certo. É melhor tomar jeito e procurar uma batalha que ficar batendo em crioulo, paraíba e veado", prega.
Combatendo implicitamente o discurso violento dos novos blacks -os rappers-, Gerson ataca frontalmente em seus funks cultores da nova violência como surfistas de trem, pitboys, skinheads assassinos de gays, gays que discriminam nordestinos.
"É um puxão de orelha, não é para chamá-los à briga, não. A gente é mais velho, tem que puxar a orelha da turma", resume.
Gerson delimita diferenças e semelhanças com os rappers: "Pego carona nessa turma boa do hip hop para voltar a acontecer. Mas a filosofia deles é totalmente radical, sofrida, de morro. Dou graças a Deus de não ter passado por isso. Não nasci no morro, moro no asfalto. Tenho a impressão de que eles têm motivo para falar o que falam, mas eu ainda falo mais ou menos na linguagem antiga. Não sou muito de radicalismo, é um sapato apertado para mim".
Justifica o título do disco e um seu possível segundo viés religioso. "A direção da gravadora mandou... pediu que fizesse essa música para puxar o disco. Várias faixas são do social, e essa é uma delas. Se der uma segunda leitura religiosa, também é oportuno, porque sou muito religioso. Sou sagitariano: a metade de cima toca uma lira, embaixo são quatro patas...", ironiza.
Ex-bailarino dos tempos do iê-iê-iê (é irmão do compositor de jovem guarda Getúlio Côrtes, autor de "Negro Gato"), ex-coreógrafo do Chacrinha e ex-músico acompanhante de Wilson Simonal e Erlon Chaves, Gerson tenta reagregar a comunidade black convidando para seu disco Sandra de Sá e Cidade Negra.
"Convidamos vários artistas. Muitos estavam em viagem. Chamamos Carlos Dafé, Lady Zu, Totó, Funk Como le Gusta, Berimbrown. Os que puderam participar estão aí", conta. Quanto ao "funk" de tapinha, diz que não dá para ele: "Curto os popozões, mas para olhar de longe. Tem muita gente viajando nessa maionese".
"Mensageiro da Paz" traz incrementado um lado de Gerson que não era tão evidente nos discos dos anos 70: o de baladeiro soul, meio à moda do Tim Maia romântico dos anos 80.
"Tem que ter um docezinho, uma água com açúcar. É um outro lado, o romantismo que a gente tem guardado dentro do coração. Me pediram uma ou outra lenta, no meio de 14 músicas."
Seria um modo de cobiçar o vácuo deixado por Tim Maia? "Ele deixou uma lacuna, e nós estamos aí. Ele fez nosso funk e conseguiu um bocado do bolo. Vou ver se pego outro pedacinho, porque nosso Tião, Deus o tenha."


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