São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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CRÍTICA

Gerson King Combo tem tino e coerência

DA REPORTAGEM LOCAL

Houvesse nascido nos Estados Unidos, Gerson King Combo seria um pioneiro do rock feito Little Richard ou Chuck Berry, coberto de glória, aposentado, sumido e entupido de grana.
Aqui a sina é diferente, não só pelo subdesenvolvimento geral da nação como também porque ele foi um dos artistas que bateram pé em ser simplesmente americanizados, sem aderir aos cliques geniais de Jorge Ben e Tim Maia, que casaram blues e samba e funk e baião e soul e MPB.
"Mensageiro da Paz" traz de volta, tão tardiamente, aquela maneira peituda de ser. O funk é funk mesmo, sem caprichos de samba, muito menos do "funk" alienígena carioca.
Rende desde regravações ok das antiguidades até a pequena catarse moderninha de "Tudo É Possível" e o funk agora calmo e maduro da faixa-título, dividida com vocais inteiraços de Sandra de Sá, outra desgarrada do movimento black Brasil.
Os esboços de reagregação da nação black da MPB por Gerson provam-se frutíferos, e a participação da quase sempre perdida Cidade Negra, na militante "Força e Poder", resulta em outro dos belos momentos do CD.
Os grooves de soul e funk orientam também a postura política pelo igualitarismo de Gerson. Se em 77 ela era ainda medrosa, algo subserviente ("os blacks não querem ofender a ninguém", cantava "Mandamentos Black", meio se desculpando pelo "atrevimento" de pedir espaço), na divertida "Desce Daí" King Combo solta todos os bichos.
Passa pito em surfistas de trem e torcidas violentas, chama skinhead de "nazista bundão", acha que pitboys e carecas têm "mais é que dar o... não sei o quê" e cria o funk simpatizante, achando que "quem gosta de comer, come, quem gosta de dar, dá, e tá tudo certo". Uma resposta velada a "Vale Tudo", de Tim Maia?
Sim ou não, fato é que a sombra de Tim assusta um pouco "Mensageiro da Paz". O lado baladão, hipertrofiado aqui, torna inevitáveis as comparações, e fica evidente que a voz de Gerson não tem, nem de longe, o alcance da do herói morto.
Seja como for, no balanço Gerson King Combo faz sua reestréia de queixo erguido. Não tem o status, o volume de obra e a conta bancária de James Brown ou George Clinton, mas dignidade, tino e coerência não se contam em dólar, mesmo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Mensageiro da Paz
   
Artista: Gerson King Combo
Lançamento: Continental
Quanto: R$ 25, em média



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