São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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LIVRO/LANÇAMENTO

Em "Democracia, Direito e Terceiro Setor", autor contextualiza o papel das ONGs na sociedade atual

Falcão define o que é vanguarda política

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Cada vez mais gente e dinheiro estão envolvidos no que se convencionou chamar de "Terceiro Setor", remodelando a definição do que é público. Apesar da veloz propagação de entidades não-governamentais, seduzindo de jovens descrentes da política tradicional aos mais relevantes segmentos empresariais, esse setor ainda não é entendido.
Não é entendido, em parte, por causa de suas próprias ambigüidades de nascença. O Terceiro Setor não é governo nem empresa; não é, portanto, oficial nem privado. Ele não busca o lucro, não busca o poder. É uma ação democrática, no entanto, na prática, não aceita os limites da democracia representativa.
Impossível, porém, imaginar a política moderna sem a participação da crescente constelação de entidades não-governamentais, cada vez mais articuladas e profissionais. Raras pessoas no Brasil teriam condições de escrever com tanta propriedade sobre os aspectos jurídicos e sociológicos do Terceiro Setor como Joaquim Falcão. Formado em direito por Harvard, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele nem de longe é um observador distante. Está envolvido, há muito tempo, na direção de fundações; dirigiu, por exemplo, a Fundação Roberto Marinho.
Em "Democracia, Direito e Terceiro Setor", composto de uma coletânea de artigos para a imprensa, Joaquim Falcão exibe ao mesmo tempo o conhecimento teórico e a intimidade com as práticas da ação não-governamentais dentro e fora do país.
Se o Terceiro Setor não busca o poder, por não ser partido, não visa o lucro -não é empresa-, como, então, deve ser entendido? Falcão defende que o molde jurídico e político desse segmento deve partir de uma premissa: não existe, de fato, ambigüidade. Mas complementaridade. As ONGs desconfiam e atacam políticas governamentais, mas, além das críticas, devem oferecer sempre sugestões e, sempre que possível, fazer parcerias em projetos concretos. Segundo ele, o Terceiro Setor é o resultado da vontade de os indivíduos terem mais participação na esfera pública, sem aderir às práticas tradicionais do poder. É um "upgrade" da democracia.
Impossível imaginar a política contemporânea sem essa nova concepção do que é público; público não é só o oficial. Grandes conquistas têm sido feitas porque ONGs assumiram papéis relevantes na formação de opinião. Campanhas de direitos humanos, preservação do ambiente e combate ao vírus da Aids, entre outras, ganharam dimensão ainda maior por causa da atuação de ONGs em escala planetária.
Assim como não se constrói uma democracia sem partidos (e quanto mais fortes e enraizados na sociedade, mais sólida a democracia), não se consegue mais conceber políticas públicas consistentes sem levar em conta a nova dimensão do que é público. Os processos decisórios, em sociedades abertas e plurais, são complexos demais para ficarem apenas nas mãos dos governantes.
Com esse livro, Falcão defende que quanto mais entender e valorizar o Terceiro Setor, estabelecendo-lhe os devidos limites jurídicos, mais e melhor os indivíduos se sentirão representados. E, acima de tudo, haverá mais eficiência das ações oficiais. Esse livro ajuda a educar tanto os governos sobre o papel das ONGs como educar as ONGs, muitas vezes feudos de personalidades ou guetos, a saber lidar com os governos.
A crença na complementaridade entre os vários setores da sociedade é a visão de vanguarda da política brasileira, da qual Falcão, como se vê nesse livro, é um dos mais férteis pensadores.


DEMOCRACIA, DIREITO E TERCEIRO SETOR. Autor: Joaquim Falcão. Editora: FGV. Quanto: R$ 27 (212 págs.).


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