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LIVRO/LANÇAMENTO
Em "Democracia, Direito e Terceiro Setor", autor contextualiza o papel das ONGs na sociedade atual
Falcão define o que é vanguarda política
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Cada vez mais gente e dinheiro estão envolvidos no que se
convencionou chamar de "Terceiro Setor", remodelando a definição do que é público. Apesar da
veloz propagação de entidades
não-governamentais, seduzindo
de jovens descrentes da política
tradicional aos mais relevantes
segmentos empresariais, esse setor ainda não é entendido.
Não é entendido, em parte, por
causa de suas próprias ambigüidades de nascença. O Terceiro Setor não é governo nem empresa;
não é, portanto, oficial nem privado. Ele não busca o lucro, não
busca o poder. É uma ação democrática, no entanto, na prática,
não aceita os limites da democracia representativa.
Impossível, porém, imaginar a
política moderna sem a participação da crescente constelação de
entidades não-governamentais,
cada vez mais articuladas e profissionais. Raras pessoas no Brasil
teriam condições de escrever com
tanta propriedade sobre os aspectos jurídicos e sociológicos do
Terceiro Setor como Joaquim Falcão. Formado em direito por Harvard, professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, ele nem
de longe é um observador distante. Está envolvido, há muito tempo, na direção de fundações; dirigiu, por exemplo, a Fundação Roberto Marinho.
Em "Democracia, Direito e Terceiro Setor", composto de uma
coletânea de artigos para a imprensa, Joaquim Falcão exibe ao
mesmo tempo o conhecimento
teórico e a intimidade com as práticas da ação não-governamentais
dentro e fora do país.
Se o Terceiro Setor não busca o
poder, por não ser partido, não visa o lucro -não é empresa-, como, então, deve ser entendido?
Falcão defende que o molde jurídico e político desse segmento deve partir de uma premissa: não
existe, de fato, ambigüidade. Mas
complementaridade. As ONGs
desconfiam e atacam políticas governamentais, mas, além das críticas, devem oferecer sempre sugestões e, sempre que possível, fazer parcerias em projetos concretos. Segundo ele, o Terceiro Setor
é o resultado da vontade de os indivíduos terem mais participação
na esfera pública, sem aderir às
práticas tradicionais do poder. É
um "upgrade" da democracia.
Impossível imaginar a política
contemporânea sem essa nova
concepção do que é público; público não é só o oficial. Grandes
conquistas têm sido feitas porque
ONGs assumiram papéis relevantes na formação de opinião. Campanhas de direitos humanos, preservação do ambiente e combate
ao vírus da Aids, entre outras, ganharam dimensão ainda maior
por causa da atuação de ONGs em
escala planetária.
Assim como não se constrói
uma democracia sem partidos (e
quanto mais fortes e enraizados
na sociedade, mais sólida a democracia), não se consegue mais
conceber políticas públicas consistentes sem levar em conta a nova dimensão do que é público. Os
processos decisórios, em sociedades abertas e plurais, são complexos demais para ficarem apenas
nas mãos dos governantes.
Com esse livro, Falcão defende
que quanto mais entender e valorizar o Terceiro Setor, estabelecendo-lhe os devidos limites jurídicos, mais e melhor os indivíduos se sentirão representados. E,
acima de tudo, haverá mais eficiência das ações oficiais. Esse livro ajuda a educar tanto os governos sobre o papel das ONGs como
educar as ONGs, muitas vezes
feudos de personalidades ou guetos, a saber lidar com os governos.
A crença na complementaridade entre os vários setores da sociedade é a visão de vanguarda da
política brasileira, da qual Falcão,
como se vê nesse livro, é um dos
mais férteis pensadores.
DEMOCRACIA, DIREITO E TERCEIRO
SETOR. Autor: Joaquim Falcão. Editora:
FGV. Quanto: R$ 27 (212 págs.).
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