São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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"HISTÓRIA DO BRASIL PELO MÉTODO CONFUSO"

Obra coloca país em palco tropical de humor e ironia

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Este livro, agora reeditado em hora oportuna, teve na década de 20 relativo sucesso, depois passou em brancas nuvens no mais completo ostracismo. Esquecido. Cemitério das letras.
Há muito tempo ninguém o lê, nenhum historiador de peso, nacional ou estrangeiro, parece citá-lo, e talvez tenha ficado um tanto quanto caduco por causa de seu procedimento metodológico de contar a história do povo brasileiro de modo escalafobético na busca fácil do humor e da ironia. "Corria o ano de 1500, de nosso Senhor Jesus Cristo, quando a United Press lançou em Portugal a notícia maravilhosa da extinção do comissariado Brasil."
É preciso ter em mira que método significa caminho e que o passado ainda nem é sequer passado, como dizia William Faulkner. A comédia da tirada engraçadinha é a linguagem dos partidos políticos conservadores de direita. "D. João Cesto no Brasil."
A história do Brasil passa a ser apresentada em uma narrativa de teatro "nonsense", como sendo o palco tropical do ridículo e do pândego. "A abolição não foi pois a emancipação dos pretos, mas simplesmente a emancipação das pretas."
O que há de sério e calculado na exploração colonial deixa-se de lado. O leitor fica sem saber se o problema é do historiador ou da história. Afinal, nossa história é moldada pelo latifúndio exportador. Curiosamente, a pobreza aparece sempre na narrativa da caridade católica. É a pobreza sem vínculo algum com o conceito de exploração.
A pesquisadora Isabel Lustosa informa no prefácio que o autor, José Madeira de Freitas, capixaba, valendo-se do pseudônimo Mendes Fradique, tirado de Eça de Queiroz, formou-se em medicina no Rio de Janeiro e foi amigo do poeta Emílio Menezes. Colaborou fazendo caricatura no jornal "O Pirralho", de Oswald de Andrade, no início da década de 10.
Embora não gostasse do modernismo de 22, o que desperta curiosidade em sua prosa vem desse berço estético, a exemplo da brincadeira fônica com a língua, as paródias, os trocadilhos e os jogos de palavras. "Os tupis, os tapuias, os parvenus", ou senão este: "Um pici kólogo". Mexendo no dicionário: "Jurisprudência -muitos júris e pouquíssima prudência". É complicado tratar a matéria da história do Brasil como fonte de humor ligeiro. Estamos disso cientes porque na cultura brasileira existe uma total hegemonia humorística: o que não faz rir não presta. As maiores atrocidades são anunciadas pelo riso na TV. Tudo tende ao risível. Esquecemos que Machado de Assis nunca riu.
Em 1920 quando escreveu esse livro, o autor não era ainda integralista. Filiou-se ao integralismo em 1932. Acabou sendo preso durante o Estado Novo ao participar em 1938 do levante armado integralista contra Getúlio Vargas no Palácio do Catete.
É bem provável que a admiração por Plínio Salgado já estivesse em seu método confuso, superficial, sacana e enfadonho de escrever a história do Brasil. "A gente do Pindorama guiava-se pelo mesmo princípio político que ainda hoje nos rege: todo mundo manda e ninguém obedece." Isso para dizer que a "autoridade absoluta" era exercida pelo pajé, ao qual compara de maneira equivocada com Antônio Conselheiro de Canudos.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (ed. Casa Amarela).

História do Brasil pelo Método Confuso
   
Autor: Mendes Fradique
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 35,50 (298 págs.)


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