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MÚSICA
DJ se apresenta em clube de Londres, lança coletâneas em CD e se prepara para tocar no festival Sónar, na Espanha
Marlboro conduz o funk carioca à Europa
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
DJ Marlboro entra em seu escritório no bairro Lins de Vasconcelos, nas redondezas do Méier, zona norte do Rio, e a primeira coisa
que faz é correr em direção à sala
onde está seu computador para
baixar mais de 800 e-mails -em
15 contas de correio eletrônico diferentes. "É que ontem não deu
tempo para baixar", desculpa-se,
sem tirar os olhos do monitor, alternando do programa de e-mail
para o de navegação da internet,
no qual responde mensagens em
um de seus quatro fotologs que
atualiza pessoalmente.
Patrono do gênero popularmente conhecido como funk carioca, Marlboro é um dos principais DJs do Brasil e seu talento finalmente ganha reconhecimento
internacional, mesmo ainda sendo tratado com o desprezo típico
que o brasileiro médio dedica a
artistas que se comunicam com
classes sociais mais baixas. O DJ
carioca é uma das atrações do festival SónarClub, que aconteceria
ontem no clube Ocean, em Londres. O evento é uma versão de
bolso do festival espanhol Sónar,
cuja edição 2004 começa no próximo dia 17, em Barcelona, onde
DJ carioca também bate cartão.
Ele ainda volta ao Brasil antes de
retornar à Europa para a apresentação no Sónar, quando, ao lado
do coletivo Instituto e do DJ Nego
Moçambique, compõe o painel
Eletronika Brazil, no espaço SónarPub. Após os brasileiros, o
mesmo palco recebe nomes como
a dupla belga 2 Many DJ's e o coletivo garage So Solid Crew.
E Barcelona é só o ponto de partida de sua primeira turnê européia, que ainda conta com datas
em Paris (dias 22 e 23), Londres
(dia 24), Liubliana (capital da Eslovênia, dia 25) e Zagreb (capital
da Croácia, dia 26). A moral de
Marlboro, principal porta-voz do
funk carioca, ainda cresce com o
lançamento de quatro coletâneas
de suas produções na Europa.
Mas ele ainda é o mesmo sujeito
que, há 24 anos, atravessava todo
o Rio de Janeiro a pé ou de bicicleta, carregando os vinis na mochila, para discotecar. A humildade
do DJ é estranhamente proporcional ao nível de controle que ele
exerce em todo o império de entretenimento que criou, o Big
Mix, cujo slogan ("É Big Mix, ô
mané!") é reverberado por milhares de cariocas diariamente, seja
em intervenções de ouvintes em
seu programa de rádio diário ou
em adesivos espalhados por todos
os lados da cidade maravilhosa.
É ele mesmo quem tira as fotos
em todos os bailes que toca (mais
de 20 por fim de semana) e descarrega em seus fotologs (como o
www.fotolog.net/bailefunk). Ele
ainda supervisiona todos os mixes feitos por sua equipe, responde pessoalmente aos e-mails e às
mensagens que são enviadas via
ICQ, discute com detratores do
funk e dirige o próprio carro todo
o dia rumo à rádio, no centro.
Viciado em trabalho, ele não pára um minuto e está constantemente ao celular, alternando papos com velhos amigos e conversas sobre promoção de eventos.
Vê-lo revezar entre a locução ao
vivo do programa "Big Mix" e o
papo com o MC Serginho (o da
"Égüinha Pocotó") ao telefone é
desesperador e inspirador -ao
mesmo tempo em que parece que
vai se atrapalhar e pôr tudo a perder, pode-se perceber o senso de
ritmo e a presença de espírito que
o tornam um grande DJ.
"O negócio é fazer o povo dançar. Não tem dessas de Billboard,
de ver na revista de moda a música que tá tocando lá fora...", explica. "Se o pessoal dançou, deixa; se
não, joga fora. Não importa se é
sucesso no exterior."
Sentado em seu estúdio, teoriza
sobre a fagocitagem do funk carioca em relação aos outros gêneros de música, comparando com
a mestiçagem e mistura de culturas característica do Brasil: "O
funk absorve tudo, seja folclore
brasileiro ou música gringa. É o
gênero com menos preconceito
em relação aos outros gêneros e,
talvez por isso mesmo, seja o que
mais preconceito sofre", explica.
"E, se você for ver bem, é a mesma
coisa do Brasil, que também absorve tudo e sofre preconceitos
por não ter preconceito."
"Mas eu queria mesmo era ouvir o funk com os ouvidos do
gringo", lamenta, lembrando das
excursões recentes que fez aos
EUA -desde que se apresentou
pela primeira vez em Nova York,
em junho do ano passado, ele já
voltou outras duas vezes ao país.
"Não sei inglês até hoje e gosto
de música em inglês independentemente do que ela diz, sem saber
do que ela está falando. Não sei se
o estrangeiro também ouve assim, então vou tentando, devagar,
colocando alguma coisa instrumental, outras músicas mais silábicas, umas com uns baixões..."
Assistindo lentamente ao crescimento do gênero no exterior
(ele interrompe a entrevista várias
vezes para falar de reportagem do
"Fantástico" sobre o estouro do
funk na Grécia ou de um amigo
que avisou que ouviu funks em
um clube em Portugal), Marlboro
orgulha-se de colher em vida os
frutos que semeou: "Eu achava
que só iam me reconhecer quando eu estivesse velhinho, quando
você não pode fazer mais nada, e
aí vem o pessoal e homenageia,
como aconteceu com o Cartola".
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