São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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REFORMA AGRÁRIA NO DIREITO AUTORAL/ARTIGO

Novas idéias do MinC parecem desconversas sobre o problema

LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fala-se sobre uma "reforma agrária no direito autoral" (Ilustrada, 3/6). Em normatizar a cópia, licenciamentos e a distribuição de música pela internet. Foca-se a discussão nos direitos de produção e reprodução da propriedade intelectual e suas manipulações.
Mas a questão realmente importante com a relação à nova realidade do mundo digital se coloca menos na produção e mais na difusão, na circulação. A área que realmente precisa de uma reforma agrária é o latifúndio das telecomunicações com suas leis feudais, baseadas no poder econômico e na barganha política.
Os artistas independentes já encontraram formas novas de se organizar e de produzir, através de cooperativas, estratégias na internet e de uma nova visão sobre o direito autoral e a difusão da cultura. O "copyleft" e os coletivos são uma realidade cada vez mais promissora em termos da organização dos criadores culturais.
Agora, a seara da difusão e distribuição dos bens culturais mantém-se intacta. A sociedade, sob a ditadura dos grandes monopólios, principalmente na televisão, controla e impõe no Brasil uma ditadura do gosto e do consumo.
É louvável que se comece a dar uma face mais normatizada aos novos mecanismos de distribuição de cultura, que encontra na internet seu espaço mais amigável para experimentação.
Mas seria essencial que o governo se preocupasse com a quebra dos monopólios dos meios de comunicação. Que buscasse, ao lado da sociedade civil, a regionalização da produção na televisão e o acesso dos produtores independentes aos meios, que normatizasse as rádios comunitárias que, por ironia, sofrem mais perseguição neste governo do que nos anteriores, fruto de uma visão legalista ultrapassada. Que buscasse uma reforma no sistema de arrecadação de direitos autoriais, que ainda é muito falho.
Enfim, a discussão sobre a propriedade intelectual é a parte mais simples (e mais pacífica) do problema, uma vez que as forças sociais por si mesmas dão conta das transformações necessárias.
Fica no ar a impressão de uma política de desconversa, de tangenciamento da questão estrutural que cabe ao governo, assim como à sociedade, encarar.
Agora, para mexer com os grandes interesses econômicos que se apoderaram de concessões públicas e engessam a cultura do país, é que a gente precisa de uma política de cultura clara, sem ambigüidades e compadrismos. Será que o MinC atual irá avançar além da desconversa e atacar de frente a questão política envolvida ?


Livio Tragtenberg é compositor


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