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CINEMA - ESTRÉIAS
"O Encantador' vê a natureza como salvação
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Não é de ontem que Robert Redford tem uma queda pela natureza
como salvação do homem -e da
identidade masculina. Toda a mística de seus filmes joga com uma
idealização do homem "natural",
de um herói tipicamente americano, que pode ser tanto um exímio
pescador como um caubói, contanto que sua alma seja autenticamente "selvagem" e pura, como
a paisagem do estado de Montana,
onde se passa a maior parte de "O
Encantador de Cavalos".
Não poderia haver melhor metáfora para essa mitologia masculina
do que um cavalo xucro ou traumatizado e ferido a ponto de se
tornar intratável, como aparentemente o que está no centro desse
melodrama baseado no primeiro
romance, de 1995, de um roteirista
de cinema, Nicholas Evans.
O personagem interpretado por
Redford é um especialista em cavalos problemáticos, ele próprio
traumatizado por um casamento
desfeito que o levou a se afastar do
resto do mundo e dos sentimentos. Uma releitura do velho mito
do "cavaleiro solitário".
E, no entanto, para além das
aparências, este não é um filme sobre cavalos, caubóis ou heróis
americanos, ou sobre a alma masculina, mas um filme para mulheres (com um olhar feminino desse
mundo de cavalos, caubóis e heróis americanos) e sobre uma mulher.
Tudo começa com um acidente
pavoroso envolvendo duas adolescentes a cavalo e um caminhão
numa estrada coberta de neve. Por
milagre, mas com metade da perna amputada, uma das meninas
sobrevive, assim como seu cavalo,
embora seriamente ferido, e apesar dos conselhos da veterinária
que deseja sacrificá-lo (este também é um filme sobre a determinação e a teimosia).
Para tirar a filha da prostração e
do ressentimento com que encara
sua nova condição de deficiente, a
mãe vai descobrir do outro lado
do país, na "América profunda",
um homem capaz de "curar" o
cavalo, que se tornou um demônio
após o acidente, acreditando com
isso poder curar, por tabela, também a própria filha.
Contra tudo (inclusive o bom
senso e o marido), e abandonando
o emprego de editora poderosa de
uma revista nova-iorquina, ela vai
atravessar os Estados Unidos com
a filha e o cavalo rebocado num
trailer, decidida a trazê-la de volta
para a vida.
É mais uma vez essa idealização
da travessia dos EUA, do mergulho numa condição mais "selvagem" e "natural", e portanto
"autêntica", que serve aqui como
último recurso de uma mãe desesperada para curar a alma desencantada da menina.
O "encantador de cavalos" vai
funcionar como esse terapeuta um
tanto mágico, capaz de compreender o lado animal sublimado pelos
civilizados da cidade e de, pondo-os de volta em contato com a
natureza que ignoram, ressuscitá-los.
E o mais incrível é que, para
além de todas essas mistificações,
de todos esses estereótipos, e para
além de todos os recursos habituais e previsíveis do melodrama,
Redford alcançou, por fim, o que
há tanto tempo ensaiava: um filme
extremamente sensível e emotivo,
digno dos melhores dramas hollywoodianos (a começar pelos de
John Huston) que o inspiraram.
Filme: O Encantador de Cavalos
Produção: EUA, 1998
Direção: Robert Redford
Com: Robert Redford, Kristin Scott
Thomas, Sam Neill, Dianne Wiest e Scarlet
Johansson
Quando: A partir de hoje, nos cines
Ipiranga 2, Belas Artes-Villa Lobos e
circuito
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