São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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CINEMA ESTRÉIAS
"Medidas Desesperadas" promete e não cumpre

CECÍLIA SAYAD
da Redação

O mal absoluto, irreversível, existe? E o bem, é inabalável ou depende do ponto de vista?
Essa é a discussão que o diretor francês que filma nos EUA Barbet Schroeder ("Mulher Solteira Procura") propõe em "Medidas Desesperadas", filme que estréia hoje e joga com esses dois conceitos, já desgastados no contexto da indústria do entretenimento, dada a atração que a visão maniqueísta do mundo exerce sobre ela.
Para começar, há as personificações de bem e de mal. O primeiro é representado pelo policial Frank Conner (Andy Garcia), viúvo, pai de um menino de 10 anos que tem leucemia e precisa urgentemente de um transplante de medula.
O outro é o criminoso Peter McCabe (Michael Keaton), que cumpre pena em uma solitária por alguns assassinatos. Ele tem a força física e a sagacidade do Hanibal interpretado por Anthony Hopkins em "O Silêncio dos Inocentes" e a invencibilidade do Jason de "Sexta-Feira 13".
Acontece que esse "monstro" é o único doador compatível para o filho de Conner. Fato que o policial descobre violando a lei -revira arquivos secretos da polícia para encontrar um possível doador- e, consequentemente, sua integridade.
Começa aí o jogo de Schroeder. McCabe é o portador da salvação de tudo o que Conner mais preza -seu filho. Portanto, ele precisa proteger esse assassino a qualquer preço.
Como se dizia no começo, aqui o mal é absoluto. Conner vai pedir a McCabe para que doe sua medula ao menino.O bandido, entretanto, não se comove. Só aceita colaborar se puder fazer algumas exigências. Na verdade, está é arquitetando um plano para fugir no momento da cirurgia.
Dada a alta periculosidade do criminoso, a polícia só tem uma saída: matá-lo. Mesmo porque ele também está disposto a isso para conseguir sua liberdade. A ética que prevalece é a de histórias em quadrinhos -o bandido tem que ser eliminado.
McCabe tem uma coragem suicida. Afinal, não tem escolha -ou foge ou passa a vida encerrado numa cela. Mas o fato é que está protegido da morte -o policial não deixaria que a única possibilidade de salvação para seu filho se perdesse. Morto, ele não teria validade alguma.
Conner passa, então, a ter dois obstáculos -McCabe e a polícia. "Quantas pessoas terão que morrer para que você salve seu filho?", pergunta a ele um policial, a certa altura.
Reside aí o questionamento do conceito do que é fazer o bem. É justo deixar um assassino colocar a vida de várias pessoas em risco para salvar a de uma única? É legítimo violar a lei em nome de um interesse particular, por mais louvável que seja?
No entanto, essa discussão acaba perdendo a força na medida em que o personagem de Keaton se desumaniza. Uma vez que se trata de um monstro, McCabe não merece consideração alguma.
Assim, o que parecia uso -ele só é valorizado por poder salvar a criança- e questionável ganha legitimidade. E o questionamento para o comportamento de Conner se perde.
É como se Schroeder precisasse desumanizar McCabe para humanizar (justificar) o policial.
Ora, isso não seria necessário: nada mais humano - e portanto passível de erro e de momentos de fraqueza- do que seu desespero em salvar seu filho e a consequente "loucura" a que isso o leva.
Essa simplificação ética, entretanto, não chega a banalizar o filme. Aliás, condiz com os absurdos à la James Bond da condução da trama. Mesmo o conflito de Conner, ainda que não explorado em toda sua potencialidade, não deixa de ter força.
Para os que querem adrenalina, "Medidas Desesperadas" satisfaz e até vai um pouco além. Mas o filme frustra os que se interessam pela discussão que procura abordar, pois Barbet Schroeder promete mais do que aquilo que consegue cumprir.


Filme: Medidas Desesperadas Produção: EUA, 1996 Direção: Barbet Schroeder Com: Michael Keaton, Andy Garcia Quando: a partir de hoje, nos cines SP Market Cinemark 9, Astor e circuito


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