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CINEMA ESTRÉIAS
"Medidas Desesperadas" promete e não cumpre
CECÍLIA SAYAD
da Redação
O mal absoluto, irreversível,
existe? E o bem, é inabalável ou
depende do ponto de vista?
Essa é a discussão que o diretor
francês que filma nos EUA Barbet
Schroeder ("Mulher Solteira Procura") propõe em "Medidas Desesperadas", filme que estréia hoje e joga com esses dois conceitos,
já desgastados no contexto da indústria do entretenimento, dada a
atração que a visão maniqueísta
do mundo exerce sobre ela.
Para começar, há as personificações de bem e de mal. O primeiro é
representado pelo policial Frank
Conner (Andy Garcia), viúvo, pai
de um menino de 10 anos que tem
leucemia e precisa urgentemente
de um transplante de medula.
O outro é o criminoso Peter
McCabe (Michael Keaton), que
cumpre pena em uma solitária por
alguns assassinatos. Ele tem a força física e a sagacidade do Hanibal
interpretado por Anthony Hopkins em "O Silêncio dos Inocentes" e a invencibilidade do Jason
de "Sexta-Feira 13".
Acontece que esse "monstro" é
o único doador compatível para o
filho de Conner. Fato que o policial descobre violando a lei -revira arquivos secretos da polícia para encontrar um possível doador- e, consequentemente, sua
integridade.
Começa aí o jogo de Schroeder.
McCabe é o portador da salvação
de tudo o que Conner mais preza
-seu filho. Portanto, ele precisa
proteger esse assassino a qualquer
preço.
Como se dizia no começo, aqui o
mal é absoluto. Conner vai pedir a
McCabe para que doe sua medula
ao menino.O bandido, entretanto,
não se comove. Só aceita colaborar
se puder fazer algumas exigências.
Na verdade, está é arquitetando
um plano para fugir no momento
da cirurgia.
Dada a alta periculosidade do
criminoso, a polícia só tem uma
saída: matá-lo. Mesmo porque ele
também está disposto a isso para
conseguir sua liberdade. A ética
que prevalece é a de histórias em
quadrinhos -o bandido tem que
ser eliminado.
McCabe tem uma coragem suicida. Afinal, não tem escolha -ou
foge ou passa a vida encerrado numa cela. Mas o fato é que está protegido da morte -o policial não
deixaria que a única possibilidade
de salvação para seu filho se perdesse. Morto, ele não teria validade alguma.
Conner passa, então, a ter dois
obstáculos -McCabe e a polícia.
"Quantas pessoas terão que morrer para que você salve seu filho?", pergunta a ele um policial,
a certa altura.
Reside aí o questionamento do
conceito do que é fazer o bem. É
justo deixar um assassino colocar
a vida de várias pessoas em risco
para salvar a de uma única? É legítimo violar a lei em nome de um
interesse particular, por mais louvável que seja?
No entanto, essa discussão acaba
perdendo a força na medida em
que o personagem de Keaton se
desumaniza. Uma vez que se trata
de um monstro, McCabe não merece consideração alguma.
Assim, o que parecia uso -ele
só é valorizado por poder salvar a
criança- e questionável ganha legitimidade. E o questionamento
para o comportamento de Conner
se perde.
É como se Schroeder precisasse
desumanizar McCabe para humanizar (justificar) o policial.
Ora, isso não seria necessário:
nada mais humano - e portanto
passível de erro e de momentos de
fraqueza- do que seu desespero
em salvar seu filho e a consequente
"loucura" a que isso o leva.
Essa simplificação ética, entretanto, não chega a banalizar o filme. Aliás, condiz com os absurdos
à la James Bond da condução da
trama. Mesmo o conflito de Conner, ainda que não explorado em
toda sua potencialidade, não deixa
de ter força.
Para os que querem adrenalina,
"Medidas Desesperadas" satisfaz
e até vai um pouco além. Mas o
filme frustra os que se interessam
pela discussão que procura abordar, pois Barbet Schroeder promete mais do que aquilo que consegue cumprir.
Filme: Medidas Desesperadas
Produção: EUA, 1996
Direção: Barbet Schroeder
Com: Michael Keaton, Andy Garcia
Quando: a partir de hoje, nos cines SP
Market Cinemark 9, Astor e circuito
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