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LITERATURA
Encontros com a Literatura Latino-Americana de anteontem reuniram a cubana Zoé Valdés e Moacyr Scliar
Palestra acaba em bate-boca sobre política
IRINEU FRANCO PERPETUO
enviado especial ao Rio de Janeiro
Descambou para o bate-boca sobre a gestão de Fidel Castro em
Cuba a palestra dos escritores Zoé
Valdés e Moacyr Scliar (colunista
da Folha) no segundo dia dos Encontros com a Literatura Latino-Americana Contemporânea,
anteontem, no Centro Cultural
Banco do Brasil.
Era previsível. Afinal, Valdés,
que trabalhou durante anos na delegação cubana junto à Unesco,
bem como no setor cultural da
embaixada de seu país em Paris,
trocou a ilha pela capital francesa
em 95, após publicar "O Nada
Contínuo" -romance que mistura, em doses igualmente cavalares, um erotismo que beira a vulgaridade e críticas acerbas ao regime castrista.
Scliar elogiou bastante o livro,
que qualificou de "espantoso" e
"uma revelação". E, a partir do
retrato depreciativo do sistema
político da ilha feito na obra, chamou de "incômoda" a posição da
esquerda brasileira diante da Revolução Cubana.
"Para a nossa geração, era o
nascimento de uma nova era",
afirmou o escritor.
"Há um grande grupo de pessoas de esquerda que continua se
identificando com Cuba, mas não
tem resposta para questões como
esta: se nós queremos democracia
no Brasil, será que nós podemos
aceitar que um país socialista não
tenha democracia?"
Nascida no ano da Revolução
(1959), Valdés deu à sua narrativa
caráter confessional, falando de
sua infância pobre, da influência
exercida sobre ela por "três mulheres loucas" (a mãe, a avó e uma
tia) e do impacto de descobrir os
escritos de sua compatriota Lezama Lima.
Sob essa perspectiva, chamou
"O Nada Contínuo" de "vômito
de grávida". "Em 93, o ano mais
difícil da história de Cuba, fico
grávida e começo a escrever o diário da realidade de uma futura
mãe em Cuba", disse. "Foi a novela menos calculada de minha vida", completou.
A reportagem da Folha quis saber porque Valdés demorou tanto
para criticar o regime cubano e se
não havia oportunismo em escrever e publicar seu romance apenas
no momento em que o barco da
Revolução começou a fazer água.
"Comecei a fazer críticas ao governo cubano quando comecei a
ter uso da razão política", foi a
resposta.
"Eu nasci em 1959, o que quer
dizer que, nos anos 70 -o quinquênio cinza-, quando tanta
gente, tantos homossexuais foram
para a cadeia, grandes escritores
foram mandados para os campos
de trabalho e Cabrera Infante teve
de sair de Cuba, eu era apenas
adolescente."
Polêmica
A autora alterou-se quando um
membro da platéia perguntou a
Moacyr Scliar se as sanções norte-americanas contra Cuba não
justificariam os excessos políticos
de Fidel Castro.
"Essas perguntas são tão velhas!
Não têm atualidade nenhuma!",
disse, cortando a resposta do escritor gaúcho.
"Há quatro jornalistas cubanos
presos por terem escrito um documento chamado "A Pátria É de
Todos'. Quando tirarem da cadeia
esses quatro jornalistas, então poderemos conversar."
O cubano Alexei Dumpierre Matamoros, auto-intitulado "refugiado político", interrompeu o
debate para defender Valdés.
Residente no Brasil há três anos
e vivendo de dar aulas de espanhol
(em Cuba, era diretor de programação de TV), Matamoros corroborou as críticas ao regime de seu
país, arrematando: "não há socialismo sem ditadura".
Moacyr Scliar fez questão de refutar o axioma. "Se tudo o que tivermos for, de um lado, socialismo com ditadura, e, de outro, um
capitalismo sem emprego, e que
mata de fome, então estamos muito mal."
Protestos
Como houvesse na platéia protestos contra a politização do debate, o evento voltou a temas literários no final, culminando com a
leitura de poemas de Zoé Valdés
por sua autora.
Às 18h de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil, acontece o último dos Encontros com a Literatura Latino-Americana Contemporânea.
O evento vai reunir o ensaísta e
ficcionista mexicano Francisco
Rebolledo (cujo primeiro romance, "Rasero", foi editado no Brasil pela Nova Fronteira) e o jornalista, contista e tradutor brasileiro
Eric Nepomuceno.
A entrada para o debate é franca,
mas senhas devem ser retiradas às
12h, no local.
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