São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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LITERATURA
Encontros com a Literatura Latino-Americana de anteontem reuniram a cubana Zoé Valdés e Moacyr Scliar
Palestra acaba em bate-boca sobre política

IRINEU FRANCO PERPETUO
enviado especial ao Rio de Janeiro

Descambou para o bate-boca sobre a gestão de Fidel Castro em Cuba a palestra dos escritores Zoé Valdés e Moacyr Scliar (colunista da Folha) no segundo dia dos Encontros com a Literatura Latino-Americana Contemporânea, anteontem, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Era previsível. Afinal, Valdés, que trabalhou durante anos na delegação cubana junto à Unesco, bem como no setor cultural da embaixada de seu país em Paris, trocou a ilha pela capital francesa em 95, após publicar "O Nada Contínuo" -romance que mistura, em doses igualmente cavalares, um erotismo que beira a vulgaridade e críticas acerbas ao regime castrista.
Scliar elogiou bastante o livro, que qualificou de "espantoso" e "uma revelação". E, a partir do retrato depreciativo do sistema político da ilha feito na obra, chamou de "incômoda" a posição da esquerda brasileira diante da Revolução Cubana.
"Para a nossa geração, era o nascimento de uma nova era", afirmou o escritor.
"Há um grande grupo de pessoas de esquerda que continua se identificando com Cuba, mas não tem resposta para questões como esta: se nós queremos democracia no Brasil, será que nós podemos aceitar que um país socialista não tenha democracia?"
Nascida no ano da Revolução (1959), Valdés deu à sua narrativa caráter confessional, falando de sua infância pobre, da influência exercida sobre ela por "três mulheres loucas" (a mãe, a avó e uma tia) e do impacto de descobrir os escritos de sua compatriota Lezama Lima.
Sob essa perspectiva, chamou "O Nada Contínuo" de "vômito de grávida". "Em 93, o ano mais difícil da história de Cuba, fico grávida e começo a escrever o diário da realidade de uma futura mãe em Cuba", disse. "Foi a novela menos calculada de minha vida", completou.
A reportagem da Folha quis saber porque Valdés demorou tanto para criticar o regime cubano e se não havia oportunismo em escrever e publicar seu romance apenas no momento em que o barco da Revolução começou a fazer água.
"Comecei a fazer críticas ao governo cubano quando comecei a ter uso da razão política", foi a resposta.
"Eu nasci em 1959, o que quer dizer que, nos anos 70 -o quinquênio cinza-, quando tanta gente, tantos homossexuais foram para a cadeia, grandes escritores foram mandados para os campos de trabalho e Cabrera Infante teve de sair de Cuba, eu era apenas adolescente."

Polêmica
A autora alterou-se quando um membro da platéia perguntou a Moacyr Scliar se as sanções norte-americanas contra Cuba não justificariam os excessos políticos de Fidel Castro.
"Essas perguntas são tão velhas! Não têm atualidade nenhuma!", disse, cortando a resposta do escritor gaúcho.
"Há quatro jornalistas cubanos presos por terem escrito um documento chamado "A Pátria É de Todos'. Quando tirarem da cadeia esses quatro jornalistas, então poderemos conversar."
O cubano Alexei Dumpierre Matamoros, auto-intitulado "refugiado político", interrompeu o debate para defender Valdés.
Residente no Brasil há três anos e vivendo de dar aulas de espanhol (em Cuba, era diretor de programação de TV), Matamoros corroborou as críticas ao regime de seu país, arrematando: "não há socialismo sem ditadura".
Moacyr Scliar fez questão de refutar o axioma. "Se tudo o que tivermos for, de um lado, socialismo com ditadura, e, de outro, um capitalismo sem emprego, e que mata de fome, então estamos muito mal."

Protestos
Como houvesse na platéia protestos contra a politização do debate, o evento voltou a temas literários no final, culminando com a leitura de poemas de Zoé Valdés por sua autora.
Às 18h de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil, acontece o último dos Encontros com a Literatura Latino-Americana Contemporânea.
O evento vai reunir o ensaísta e ficcionista mexicano Francisco Rebolledo (cujo primeiro romance, "Rasero", foi editado no Brasil pela Nova Fronteira) e o jornalista, contista e tradutor brasileiro Eric Nepomuceno.
A entrada para o debate é franca, mas senhas devem ser retiradas às 12h, no local.



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