São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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ANÁLISE
Escritor trouxe em sua obra felicidade imortal para a Rússia

VLADIMIR AVRORSKI
especial para a Folha

Aleksandr Sergueievitch Púchkin (1799-1837) teve uma existência curta, mas brilhante. Ele passou pela vida como um ofuscante cometa, deixando uma indelével marca na língua e literatura russas.
Tendo alcançado a perfeição tanto na poesia como na prosa, Púchkin foi o precursor da literatura russa moderna. Por meio dela, expressou genialmente a riqueza do mundo interior da vida russa, a atmosfera social e política da Rússia no primeiro terço do século 19 e todas as suas contradições. Seu caráter independente e rebelde levou-o reiteradamente a entrar em conflito com a elite governante e com o próprio czar Nicolau 1º -o que fez com que ele conhecesse plenamente a amargura do exílio e da censura.
"Para nós, o valor colossal de Púchkin torna-se cada vez mais evidente com o passar do tempo. A sua importância no desenvolvimento do povo russo é enorme e profunda. Para todos os russos ele é a viva percepção -em toda a plenitude literária- do significado do espírito russo, de suas aspirações e dos ideais do homem russo. Por meio dele percebemos que os ideais russos são a integridade, conformidade e humanismo plenos." Esta avaliação da personalidade e da obra de Púchkin é de um outro genial mestre da literatura russa, Dostoiévski.
Em todas as épocas e sob todos os regimes políticos, Púchkin foi profundamente honrado como o maior poeta da Rússia e iniciador da literatura russa contemporânea. De sua pena saíram cerca de 600 poesias, o famoso romance em versos "Ievgueni Onieguin", os poemas "Ruslan e Ludmila" e "Cavaleiro de Bronze", o drama "Boris Godunov", os romances "Arap de Pedro, o Grande", "Novelas de Bielkin", "A Dama de Espadas", "A Filha do Capitão" (considerada a melhor obra literária russa do gênero narrativo) e "Dubrovski".
Até hoje Púchkin continua sendo homenageado e profundamente amado. O dia de seu aniversário é comemorado solenemente em todo o país. Em maio de 1997, pelo decreto do presidente Boris Ieltsin, "Sobre o 200º Aniversário de Púchkin e Dia de Púchkin na Rússia", foi criada uma comissão estatal, chefiada pelo primeiro-ministro, para a preparação das devidas comemorações.
O programa prevê a edição, com apoio estatal, das "Obras Completas de A. Púchkin" (20 volumes), dos "Cadernos de Trabalho de A. Púchkin" (oito volumes), "Obras Escolhidas de A. Púchkin" (três volumes), da "Enciclopédia Puchkiniana", de "Crônicas da Vida e Obra de A. Púchkin", assim como a edição de numerosas obras de especialistas (puchkinistas).
Apesar das dificuldades financeiras no país, muito já foi feito. Em 1994-1997, a editora Voskresenie lançou as "Obras Completas de A. Púchkin" (23 volumes, em edição acadêmica). O lançamento de cada volume tornou-se uma festa intelectual rara nestes nossos tempos. Quando a editora começou a idealizar o enorme projeto de reeditar a edição acadêmica das "Obras Completas" (1937-1957) e decidiu completá-la com mais duas obras -"Manuscritos de Púchkin" e "Desenhos de Púchkin", muitos diziam que o intento era inviável, pois o povo não iria comprar obras de Púchkin nas condições econômicas precárias em que se encontra.
Entretanto, o povo comprou. Em 6 de junho de 1994, dia de lançamento do primeiro volume, na praça de Púchkin em Moscou, ao lado do monumento mais famoso da Rússia -o de Púchkin-, formou-se uma enorme fila de pessoas para adquirir esse volume.
É preciso destacar também o enorme trabalho realizado pelos pesquisadores da Casa Puchkiniana na preparação da obra "Cadernos de Trabalho de A. Púchkin", editada com apoio da Fundação Príncipe Charles (Inglaterra). Em maio deste ano foram lançados muitos livros escritos pelos especialistas da Casa Puchkiniana e do Instituto de Literatura Mundial.
Centenas de editoras em toda a Rússia publicam as obras do grande poeta. Desde 1997 são publicados os anuários "Puchkinista de Moscou" e "Púchkin no Século 20", cujas edições se esgotam rapidamente. Surgiu o livro "Púchkin e os Dezembristas", revelando a realidade das relações entre o poeta e os participantes da revolta de 1825, que pretendiam destronar o czar Nicolau 1º.
Nestes tempos muito difíceis para a Rússia, seu povo recorre novamente a Púchkin, vendo-o como um ideal da coesão nacional. A grandeza do poeta consiste no fato de que sua obra não só expressa, mas também recria a alma do povo. Provavelmente ele próprio vem a ser essa alma: uma inextinguível estrela guia da nossa vida espiritual. Bastaria que percebêssemos que suas mágicas palavras são a nossa maior riqueza herdada de eras passadas e transmitíssemos esta riqueza ao futuro da nova Rússia.
A enorme importância de Púchkin para a língua e a literatura foi sempre reconhecida por todos na Rússia. Discórdias e conflitos políticos do passado e do presente não afetaram essa monumental figura da cultura do nosso país. Se existe algo absoluto na Rússia nesta época de revisões impiedosas e totais, este é Aleksandr Sergueievitch Púchkin. Nós russos comemoramos com enorme gratidão o aniversário do poeta que, mesmo tendo vivido tão pouco, trouxe em sua obra uma imortal felicidade para a Rússia.


Vladimir Avrorski é cônsul-geral da Rússia em São Paulo.


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