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ANÁLISE
Escritor trouxe em sua obra felicidade imortal para a Rússia
VLADIMIR AVRORSKI
especial para a Folha
Aleksandr Sergueievitch Púchkin (1799-1837) teve uma existência curta, mas brilhante. Ele passou
pela vida como um ofuscante cometa, deixando uma indelével
marca na língua e literatura russas.
Tendo alcançado a perfeição tanto na poesia como na prosa, Púchkin foi o precursor da literatura
russa moderna. Por meio dela, expressou genialmente a riqueza do
mundo interior da vida russa, a atmosfera social e política da Rússia
no primeiro terço do século 19 e todas as suas contradições. Seu caráter independente e rebelde levou-o
reiteradamente a entrar em conflito com a elite governante e com o
próprio czar Nicolau 1º -o que fez
com que ele conhecesse plenamente a amargura do exílio e da censura.
"Para nós, o valor colossal de
Púchkin torna-se cada vez mais
evidente com o passar do tempo. A
sua importância no desenvolvimento do povo russo é enorme e
profunda. Para todos os russos ele
é a viva percepção -em toda a plenitude literária- do significado
do espírito russo, de suas aspirações e dos ideais do homem russo.
Por meio dele percebemos que os
ideais russos são a integridade,
conformidade e humanismo plenos." Esta avaliação da personalidade e da obra de Púchkin é de um
outro genial mestre da literatura
russa, Dostoiévski.
Em todas as épocas e sob todos os
regimes políticos, Púchkin foi profundamente honrado como o
maior poeta da Rússia e iniciador
da literatura russa contemporânea. De sua pena saíram cerca de
600 poesias, o famoso romance em
versos "Ievgueni Onieguin", os
poemas "Ruslan e Ludmila" e "Cavaleiro de Bronze", o drama "Boris
Godunov", os romances "Arap de
Pedro, o Grande", "Novelas de
Bielkin", "A Dama de Espadas", "A
Filha do Capitão" (considerada a
melhor obra literária russa do gênero narrativo) e "Dubrovski".
Até hoje Púchkin continua sendo
homenageado e profundamente
amado. O dia de seu aniversário é
comemorado solenemente em todo o país. Em maio de 1997, pelo
decreto do presidente Boris Ieltsin,
"Sobre o 200º Aniversário de
Púchkin e Dia de Púchkin na Rússia", foi criada uma comissão estatal, chefiada pelo primeiro-ministro, para a preparação das devidas
comemorações.
O programa prevê a edição, com
apoio estatal, das "Obras Completas de A. Púchkin" (20 volumes),
dos "Cadernos de Trabalho de A.
Púchkin" (oito volumes), "Obras
Escolhidas de A. Púchkin" (três
volumes), da "Enciclopédia Puchkiniana", de "Crônicas da Vida e
Obra de A. Púchkin", assim como
a edição de numerosas obras de especialistas (puchkinistas).
Apesar das dificuldades financeiras no país, muito já foi feito. Em
1994-1997, a editora Voskresenie
lançou as "Obras Completas de A.
Púchkin" (23 volumes, em edição
acadêmica). O lançamento de cada
volume tornou-se uma festa intelectual rara nestes nossos tempos.
Quando a editora começou a idealizar o enorme projeto de reeditar a
edição acadêmica das "Obras
Completas" (1937-1957) e decidiu
completá-la com mais duas obras
-"Manuscritos de Púchkin" e
"Desenhos de Púchkin", muitos
diziam que o intento era inviável,
pois o povo não iria comprar obras
de Púchkin nas condições econômicas precárias em que se encontra.
Entretanto, o povo comprou. Em
6 de junho de 1994, dia de lançamento do primeiro volume, na
praça de Púchkin em Moscou, ao
lado do monumento mais famoso
da Rússia -o de Púchkin-, formou-se uma enorme fila de pessoas para adquirir esse volume.
É preciso destacar também o
enorme trabalho realizado pelos
pesquisadores da Casa Puchkiniana na preparação da obra "Cadernos de Trabalho de A. Púchkin",
editada com apoio da Fundação
Príncipe Charles (Inglaterra). Em
maio deste ano foram lançados
muitos livros escritos pelos especialistas da Casa Puchkiniana e do
Instituto de Literatura Mundial.
Centenas de editoras em toda a
Rússia publicam as obras do grande poeta. Desde 1997 são publicados os anuários "Puchkinista de
Moscou" e "Púchkin no Século
20", cujas edições se esgotam rapidamente. Surgiu o livro "Púchkin e
os Dezembristas", revelando a realidade das relações entre o poeta e
os participantes da revolta de 1825,
que pretendiam destronar o czar
Nicolau 1º.
Nestes tempos muito difíceis para a Rússia, seu povo recorre novamente a Púchkin, vendo-o como
um ideal da coesão nacional. A
grandeza do poeta consiste no fato
de que sua obra não só expressa,
mas também recria a alma do povo. Provavelmente ele próprio vem
a ser essa alma: uma inextinguível
estrela guia da nossa vida espiritual. Bastaria que percebêssemos
que suas mágicas palavras são a
nossa maior riqueza herdada de
eras passadas e transmitíssemos
esta riqueza ao futuro da nova
Rússia.
A enorme importância de Púchkin para a língua e a literatura foi
sempre reconhecida por todos na
Rússia. Discórdias e conflitos políticos do passado e do presente não
afetaram essa monumental figura
da cultura do nosso país. Se existe
algo absoluto na Rússia nesta época de revisões impiedosas e totais,
este é Aleksandr Sergueievitch
Púchkin. Nós russos comemoramos com enorme gratidão o aniversário do poeta que, mesmo tendo vivido tão pouco, trouxe em sua
obra uma imortal felicidade para a
Rússia.
Vladimir Avrorski é cônsul-geral da Rússia em
São Paulo.
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