São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2001

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Parte da obra gravada do poeta é condensada em caixa com 27 títulos e preço sugerido de R$ 550

Vinicius para ricos

Folha Imagem
O poeta e cantor carioca Vinicius de Moares (1913-80), homenageado com a caixa "Como Dizia o Poeta", que traz 27 discos


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O mercado nacional prossegue sua trajetória de contradições. Vinicius de Moraes (1913-80), o mais popular dos poetas brasileiros, tem sua vasta obra em música popular colocada novamente na baila, com o relançamento de 24 discos de que foi líder ou participante desde 1956.
Agregada de três coletâneas e um libreto caprichado de 176 páginas, tal obra se converte na caixa "Como Dizia o Poeta", que a Universal lança um ano atrasada, querendo marcar a passagem de 20 anos de sua morte.
A contradição: clássicos da mais popular música brasileira -da bossa de "Garota de Ipanema" ao sambão de "A Tonga da Mironga do Kabuletê" e à canção infantil de "A Casa" e "O Pato"- estarão acessíveis a quem dispuser de (no mínimo) astronômicos R$ 550, e só a eles.
Os títulos não serão comercializados de forma avulsa antes de seis meses, segundo a gravadora numa tentativa de viabilizar o custo da caixa nos primeiros meses. O pacote agrupa 27 discos encartados em cartolina, com as capas originais reproduzidas de maneira deformada e as contracapas desaparecidas.
A Universal despendeu desta vez, sob coordenação da filha do poeta Luciana de Moraes e produção do pesquisador Marcelo Fróes, o hercúleo esforço de reunir títulos editados originalmente por Odeon, Som Livre e as hoje extintas Elenco, Forma, Festa e RGE. A associação de gravadoras rivais em benefício da obra do artista é provavelmente feito inédito na indústria fonográfica brasileira.
Nem assim, entretanto, a obra de Vinicius está completa na caixa. Foram excluídos títulos que já estavam em catálogo e inúmeras edições no exterior, que a Universal não conseguiu licenciar para o projeto.
Aos pouquíssimos sortudos que poderão adquirir desde já a caixa e a obra de Vinicius, o projeto aparece para reamplificar uma história que tem sido sistematicamente reduzida a compartimento da bossa nova. Isolando-se Vinicius do movimento, vê-se que aquele setor é até secundário na biografia do artista (menos como compositor, pois é inegável a importância central de Vinicius no imaginário bossa-novista).
A bossa de origem, de parcerias com Tom Jobim e Carlos Lyra, só aparece aqui em "Orfeu da Conceição" (de 56, quando o movimento ainda nem existia), nos LPs coletivos "Vinicius: Poesia e Canção" (66) e na trilha do filme "Garota de Ipanema" (67).
De resto, vai se vendo que Tom Jobim está ausente da discografia de vida própria de Vinicius, e que a parceria de bossa que realça é a com Baden Powell (1937-2000), em "Vinicius & Odette Lara" (63) e "Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius" (66).
Esse último é o primeiro ápice discográfico de Vinicius e, até hoje, um dos marcos da moderna música brasileira. A vida artística do poeta dali em diante seria sempre consequência daquelas invenções com Baden. Pois foi ao sabor de uma visão descontraída dos afro-sambas que se estabilizou a divertida e duradoura associação com Toquinho, anos 70 afora.
Na caixa, essa fase se inicia no firmíssimo disco "Como Dizia o Poeta... Música Nova" (71), dividido também com a técnica e emocional cantora Marília Medalha e contando com a participação do black Trio Mocotó, que então acompanhava Jorge Ben.
O momento era desses de síntese musical hoje tão raros no Brasil. O ex-pioneiro da bossa nova atuava na harmonização do contato de variedades como bossa, MPB clássica, sambão jóia, batuque afro macumbeiro, afro-samba e samba-rock.
Fundava-se nova escola, que floresceria naquela década com duplas como Antonio Carlos & Jocafi e Tom & Dito ou conjuntos mistos como Os Originais do Samba. O sambão dos anos de terror militar era jóia, bicho.
Era seu segundo ápice, exibido principalmente no contato com Marília Medalha (e Maria Creuza, não lembrada na caixa) e nos LPs "Toquinho e Vinicius" (71) e "Vinicius & Toquinho" (74).
A TV não tardou a perceber o potencial pop da dupla, e daí saíram desde bobagens como "O Pato" (incluído na trilha de "Nossa Filha Gabriela", de 72) até os inesquecíveis temas dos personagens de "O Bem-Amado" (73). O poeta virou trilheiro, antes de começar a patinar entre "infalíveis" discos ao vivo e de releituras em pot-pourri. Tudo bem, não esperou a coisa piorar e morreu em julho de 80.
O magnífico esforço de recuperação da Universal acontece, afinal. Mas, ao dificultar o acesso ao consumidor médio, aquele que está órfão de axé e pagode e desistiu de comprar CD, morde o próprio rabo, uma vez mais. Com quem afinal nossos "agentes culturais" estão falando?


Como Dizia o Poeta
   
Artista: Vinicius de Moraes
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 550 (preço sugerido), a caixa com 27 CDs




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