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LITERATURA/MEMÓRIA
Portuguesa deu vigor à poesia sobre o homem moderno
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
A escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen -que morreu na última
sexta-feira em Lisboa, aos 84
anos- pertencia à primeira geração de poetas que surgiram à
sombra incomensurável de Fernando Pessoa e sob o impacto do
grupo Presença (que consolidou
o modernismo em Portugal).
Isso equivale a dizer que a autora de livros como "Mar Novo"
(58) e "O Nome das Coisas" (77)
deu continuidade e vigor a uma
poesia marcada pela indagação
metafísica sobre a condição problemática do homem moderno.
Porém, ao contrário de muitos
daqueles autores, que associavam
a experiência de choque da modernidade ao prosaísmo e ao sarcasmo, Sophia imprimiu em sua
poesia um tom mais solene, em
que o ofício da escrita equivale à
busca do absoluto -sem contudo se divorciar do mundo concreto, mas buscando nas coisas elementares um tipo de sacralidade.
Como escreveu o crítico Eduardo Lourenço, "quando se aproxima das coisas e avidamente procura "sempre" mais coisas, não é
apenas o real que pretende alcançar, mas sobretudo a aliança primitiva (...), a ordem simbólica onde esse real adquire sentido e verdade. Entre a ordem simbólica e a
aliança, a identidade é absoluta".
Nascida no Porto, contemporânea de nomes igualmente importantes como Jorge de Sena, Eugénio Andrade, Mário Cesariny e
Alexandre O'Neil, manteve diálogo não só com Pessoa (principalmente a partir de "Dual", de 72),
mas também com as celebrações
órficas de Hölderlin e Rilke.
De certo modo, como observou
a ensaísta Clara Rocha, a obra de
Sophia pode ser vista como uma
longa e fragmentária resposta ao
célebre verso de Hölderlin: "Para
que poetas em tempo de indigência?". Seus livros correspondem à
busca de uma espécie de graal da
linguagem, de um mundo e um
tempo utópico, fechado em si
mesmo, anterior à separação entre deuses e homens, essência e
substância, ser e ente: "Exilamos
os deuses e fomos/ exilados da
nossa inteireza".
Ao mesmo tempo, por trás dessa nostalgia de uma Idade do Ouro da poesia há a consciência crítica que detecta as causas do desencantamento do mundo no "capitalismo das palavras" e nas "hidras de mil cabeças da eficácia
que se avaria" -ou seja, na transformação do homem e da linguagem em utensílios tecnológicos.
Tal obra, entretanto, não se limita à poesia. Além de ser autora
de livros de ficção e infanto-juvenis, Sophia também manteve um
importante trabalho de reflexão
sobre a literatura, como na série
de aforismos "Arte Poética", no
ensaio "O Nu na Antigüidade
Clássica" ou em artigos, como o
que dedicou em 1958 à poeta Cecília Meireles -não por acaso, a
escritora brasileira que mais se
aproxima de sua procura de um
lirismo essencial.
Soma-se a essa produção uma
prosa que traz ecos do surrealismo, como "Contos Exemplares",
cujo título alude explicitamente às
"Novelas Exemplares" de Cervantes e no qual encontramos parábolas sobre o embate entre o Bem
e o Mal ("O Jantar do Bispo") ou
sobre a reaparição de Cristo, que
passeia despercebido pelas ruas
do Porto ("O Homem").
Esses contos representam parcela menor na literatura de Sophia de Mello Breyner Andresen,
mas ajudam a entender, pelo tom
alegórico, o conjunto dessa obra
que recebeu em 1999 o Prêmio
Camões, mais importante
honraria da língua portuguesa.
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