São Paulo, sábado, 05 de julho de 2008

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Crítica/"8 X Fotografia"

Ensaios sobre fotografia vão do familiar ao experimental

Em "8 X Fotografia", intelectuais analisam registros de Hockney e Evans, entre outros

Henri Cartier-Bresson/Divulgação
"Hyères', fotografia de Henri Cartier-Bresson feita em 1932 e
que é tema de ensaio do crítico de arte Alberto Tassinari em livro


BORIS KOSSOY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "8 X Fotografia", especialistas em diferentes áreas analisam a fotografia por meio de oito ensaios. A obra, organizada por Lorenzo Mammì e Lilia Moritz Schwarcz, teve sua gênese em seminário realizado em 2004, em que os autores, a partir da escolha pessoal de uma foto, desenvolveram suas argumentações e análises.
Na foto de Henri Cartier-Bresson (no alto desta página), analisada pelo crítico Alberto Tassinari, vemos, numa tomada de cima para baixo, um ciclista próximo a uma escada que se desenvolve em curva formando um movimento que aparenta seguir girando em nossa imaginação. O fotógrafo busca sentido na geometria de um evento corriqueiro no cotidiano da cidade de Hyères, França, em 1932.
Para Cartier-Bresson, "(...) fotografar é ter alinhados a cabeça, os olhos e o coração". É, enfim, perceber o momento decisivo como o desta foto e em inúmeras outras que pontilham na carreira do mestre. O poeta Antonio Cicero, colunista da Folha, detém-se na obra do artista David Hockney.
Este sente na fotografia normal um tédio que não ocorre na sua proposição de colagem de fotos articuladas sobre o assunto, isto é, segundo vários pontos de vista; uma construção que acredita aproximar-se mais da vida real. A imagem "Pearblossom Hwy.,11-18 de Abril, 1986", a preferida de Cicero, é considerada por Hockney como a "culminação de seus experimentos fotográficos".
O ensaio do crítico de arte Rodrigo Naves analisa a foto de André Kertész que registra um homem lendo em meio a respiradouros na cobertura de um edifício, num dia ensolarado de longas sombras em Nova York, em 1943 (veja foto acima).

Registro familiar
O jornalista Eugênio Bucci parte de uma foto de família tomada por um de seus irmãos, em 1979, que registra seu pai, seus irmãos e ele mesmo pescando nas proximidades do rio Pardo. Bucci contesta a passagem do tempo na sua concepção de fluxo contínuo e discorda que a apreciação das fotos do passado implica numa viagem no tempo. Estabelece uma "temporalidade do álbum de família" como "algo que não passa como passa o ponteiro do relógio", como "aquele instante que não se foi".
Marcelo Coelho, colunista da Folha, escreve sobre Walker Evans, famoso por sua obra documentária junto do programa governamental de registro do cenário rural americano durante a Depressão dos anos 30.
O fotógrafo se viu motivado pela região com seus anúncios de serviços e produtos diante de casas comerciais, postos de gasolina e caminhos. Coelho se identifica com a obra de Evans pelo mesmo interesse nas fotos dos cartazes de rua, como a escolhida, "Cartaz de Frutas", feita na Carolina do Sul, em 1936.
Sylvia Caiuby Novaes, livre-docente da USP, analisa duas fotografias de sua autoria que retratam mulheres bororo durante um rito funeral em 1985. Propõe o exercício do "ver" e o do "compreender" enquanto fases distintas do processo de recepção. Avançaremos pouco sem o conhecimento especializado da etnografia e da própria experiência do pesquisador.
Além da decifração dos ritos, a antropóloga se interessa na possibilidade de nos emocionarmos "com aquilo que não conhecemos, porque reconhecemos ali algumas emoções que para nós se expressam da mesma forma", como a própria dor diante da morte.

Salgado
José de Souza Martins, professor titular da USP, tem como tema uma fotografia de Sebastião Salgado que registra a invasão de uma propriedade rural no Paraná, em 1996, por manifestantes do MST.
Martins chama a atenção para o posicionamento do fotógrafo, do lado de dentro da propriedade. "(...) O testemunhado ato da invasão já encontra o fotógrafo lá dentro: ele invadira primeiro para poder construir a fotografia que imaginara...". Para o sociólogo, o "momento decisivo é fingido, (...) o ato político sucumbe ao ato fotográfico e o protagonista da foto acaba sendo o próprio fotógrafo".
Coube a Cristiano Mascaro, fotógrafo e arquiteto, o último ensaio, dedicado a Robert Frank, autor de "The Americans", registro contundente sobre a sociedade norte-americana de meados dos anos 50, composto de imagens tomadas em grande parte do país. O ensaio é ilustrado com a foto "Torrinha", de 1999, do próprio Mascaro, em função da não-concordância de Frank na reprodução de suas fotos.


BORIS KOSSOY é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e autor de "Fotografia & História" (Ateliê)

8 X FOTOGRAFIA
Organização:
Lorenzo Mammì e Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 41 (192 págs.)
Avaliação: bom


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